O direito ao internamento domiciliar (home care) é fruto de dúvidas pelos beneficiários de planos de saúde. Não raro, as operadoras de planos de saúde negam o acesso à internação domiciliar. Como bem apontou o advogado Rodrigo Araújo:
Quando um paciente internado recebe indicação para continuidade do tratamento em regime de home care e o plano de saúde contratado não contempla essa cobertura, o paciente recebe uma dupla negativa por parte da operadora.
De um lado, ela se recusa a cobrir a internação domiciliar por falta de previsão contratual e, de outro, também se recusa a continuar a custear a internação hospitalar porque o pedido do homecare seria uma evidência de que o paciente não precisa mais de recursos hospitalares. Em outras palavras, a operadora não autoriza o homecare e ainda suspende a internação hospitalar, alegando não ser mais responsável por nenhuma despesa.
E é comum que, em situações como essa, o hospital pressione o paciente a aceitar a alta, pois, cessada a cobertura do plano de saúde, o hospital terá que cobrar as diárias de internação do próprio paciente, que não irá concordar com essa cobrança.
O que é a internação domiciliar (home care)?
Inicialmente, há de se notar que o home care se trata, pura e simplesmente, de internação realizada em seio domiciliar, na qual o beneficiário do plano de saúde, por motivos indicados pela autoridade médica, não pode perdurar internado em ambiente hospitalar.
Trata-se, portanto, de mero desdobramento da internação hospitalar contratualmente prevista e, portanto, de tratamento de cunho obrigatório, que não pode ser negado pela operadora de plano de saúde sem a apresentação de uma causa idônea.
Doutor, todo plano de saúde cobre internação domiciliar (home care)?
Não. Apenas os planos que apresentam a segmentação hospitalar devem cobrir obrigatoriamente a internação home care. Dessa forma, os planos de saúde exclusivamente ambulatoriais não cobrem a internação domiciliar.
Doutor, o Poder Judiciário já se deparou com a negativa de home care? Quais os fundamentos?
Os Tribunais Superiores apresentam posicionamento sólido sobre a obrigatoriedade de custeio do tratamento home care, veja-se:
RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. SERVIÇO DE HOME CARE. COBERTURA PELO PLANO DE SAÚDE. DANO MORAL. 1 – Polêmica em torna da cobertura por plano de saúde do serviço de “home care” para paciente portador de doença pulmonar obstrutiva crônica. 2 – O serviço de “home care” (tratamento domiciliar) constitui desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto que não pode ser limitado pela operadora do plano de saúde. 3- Na dúvida, a interpretação das cláusulas dos contratos de adesão deve ser feita da forma mais favorável ao consumidor . Inteligência do enunciado normativo do art. 47 do CDC. Doutrina e jurisprudência do STJ acerca do tema. 4- Ressalva no sentido de que, nos contratos de plano de saúde sem contratação específica, o serviço de internação domiciliar (home care) pode ser utilizado em substituição à internação hospitalar, desde que observados certos requisitos como a indicação do médico assistente, a concordância do paciente e a não afetação do equilíbrio contratual nas hipóteses em que o custo do atendimento domiciliar por dia supera o custo diário em hospital. 5 – Dano moral reconhecido pelas instâncias de origem. Súmula 07/STJ. 6 – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (STJ – REsp: 1378707 RJ 2013/0099511-2, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 26/05/2015, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/06/2015)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO DOMICILIAR (HOME CARE). AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO. 1. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional habilitado na busca da cura, motivo porque deve arcar com as despesas relativas ao tratamento médico domiciliar (home care). Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt no AREsp: 1181543 SP 2017/0255612-3, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 19/06/2018, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/08/2018)
Neste sentido, a jurisprudência é clara ao definir que “os planos de saúde apenas podem estabelecer para quais doenças oferecerão cobertura, não lhes cabendo limitar o tipo de tratamento que será prescrito, incumbência essa que pertence ao profissional da medicina que assiste o paciente”[1]
Por outro lado, há entendimento sumulado no Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”[2]
Dessa forma, havendo indicação médica da realização de internação em seio domiciliar, passa a ser abusiva a postura do plano de saúde que busca se imiscuir no labor do profissional da medicina que assiste o paciente.
Neste sentido, devido ao realce e importância da discussão, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia editou enunciado sumular, dispondo sobre a obrigatoriedade do custeio do tratamento home care. Veja-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PLANO DE SAÚDE. INTERNAÇÃO DOMICILIAR (HOME CARE). NEGATIVA DE COBERTURA. ATO ILÍCITO. SÚMULA 12, DO TJBA. Nos termos da Súmula nº 12, do TJBA, havendo recomendação pelo médico responsável, considera-se abusiva a recusa do plano de saúde em custear tratamento home care, ainda que pautada na ausência de previsão contratual ou na existência de cláusula expressa de exclusão. Apelo improvido. (Classe: Apelação,Número do Processo: 0500027-34.2016.8.05.0103, Relator (a): Rosita Falcão de Almeida Maia, Terceira Câmara Cível, Publicado em: 16/05/2019 )(TJ-BA – APL: 05000273420168050103, Relator: Rosita Falcão de Almeida Maia, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 16/05/2019)
Caio Fernandes, ao tratar sobre a ilegalidade da negativa do home care, assim dispôs:
Desse modo, o TJ/SP, diante de reiteradas decisões, e com o objetivo de uniformizar o entendimento do Tribunal paulista, editou a súmula 90 em fevereiro de 2012, que diz:
“Havendo expressa indicação médica para a utilização dos serviços de “home care”, revela-se abusiva a cláusula de exclusão inserida na avença, que não pode prevalecer.”
Com isso, a Justiça se torna a principal aliada do consumidor contra as negativas dos planos de saúde, especificamente, quanto aos serviços de home care. Portanto, qualquer cláusula que exclua o tratamento domiciliar ao paciente é abusiva, vez que impede que o contrato atinja a finalidade a que se destina.
Doutor, e se o plano de saúde excluir contratualmente a cobertura da internação domiciliar (home care)?
Este tema já foi objeto de outro artigo em nosso site.
Trata-se de outra situação que vem sendo repelida pelos tribunais ao longo do Brasil, sob a justificativa da abusividade. Com efeito, os tribunais entendem que é abusiva a cláusula que exclui a cobertura do tratamento home care. Veja-se:
E M E N TA PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PRESENÇA DOS REQUISITOS EXIGIDOS NO ART. 273 DO CPC. ATENDIMENTO HOME CARE. PLANO DE SAÚDE. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE COBERTURA INSUBSISTENTE. EXCLUSÃO DE PROCEDIMENTOS MÉDICOS OU CIRÚRGICOS DO ALCANCE DO CONTRATO. IMPOSSIBILIDADE. ABUSIVIDADE CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO. CABIMENTO DA TUTELA. PROVIMENTO. I – Verificando-se presentes os requisitos impostos pelo art. 273 do CPC, faz-se imperiosa a manutenção da decisão que concedeu antecipação de tutela jurisdicional; II – caso conste no contrato de seguro saúde cláusula que exclua procedimentos médicos ou cirúrgicos, atribuindo vantagem exagerada para a contratada e restringindo direito para a contratante e seus dependentes, deve ser declarada nula, ante o manifesto caráter abusivo; III – agravo provido. (TJ-MA – AI: 0078422014 MA 0001537-90.2014.8.10.0000, Relator: CLEONES CARVALHO CUNHA, Data de Julgamento: 29/05/2014, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/06/2014)
Meu plano de saúde indeferiu o tratamento home care, o que fazer?
Neste caso, reúna toda a documentação do indeferimento, contrato do plano de saúde, documentos comprobatórios do pagamento de mensalidades e busque um advogado especialista em saúde para o ajuizamento de ação judicial visando resolver a sua questão.
Nesta ação judicial, é recomendável que se formule um pedido de tutela de urgência logo no bojo da petição inicial.
Recentemente, uma magistrada de Salvador/BA acolheu pedido de tutela de urgência para determinar a internação domiciliar de uma beneficiária de plano de saúde. Veja-se:
In casu, a luz das normas e princípios que inspiram o regramento consumerista, a plausibilidade e relevância das alegações do autor estão bem postas na espécie na coerência e solidez da narrativa e nos documentos acostados, que revelam a gravidade do estado de saúde da demandante e a necessidade de internação domiciliar com cuidados permanentes, para salvaguardar a sua saúde após a alta hospitalar, sendo importante observar que a Dra. Regina Maria Pereira Oliveira, CRM 6677, que subscreveu o relatório anexado com a inicial, após descrever minuciosamente as enfermidades que acometem a demandante, assim consignou:
Não podemos ignorar, por outro lado, considerando as peculiaridades e a gravidade do caso em testilha, que a mínima tardança processual envolve e agrava o risco à saúde do(a) demandante, devendo-se enfatizar que a não concessão da liminar, poderia, com inaceitável a complacência do Poder Judiciário, fazer periclitar o direito a vida, bem maior do cidadão, amparado por inúmeras garantias constitucionais e que deve estar protegido acima de todos os outros direitos. De outra banda não há falar-se em irreversibilidade da medida, pois, em sendo o caso, a demandada poderá ressarcir-se junto ao autor, administrativamente ou em ação própria.
Desse modo, por presentes os requisitos, impõe-se deferir a antecipação pleiteada, frisando, entretanto, tratar-se de decisão provisória, podendo a parte a ré, com o prosseguimento do feito, defender-se da pretensão autoral fazendo prova de suas alegações.
Ante ao exposto, com fulcro nos art. 300, NCPC e art. 84 do CDC, CONCEDO A ANTECIPAÇÃO PARCIAL DA TUTELA PARA:
1- DETERMINAR QUE A PARTE RÉ, NO PRAZO MÁXIMO DE 72 (SETENTA E DUAS) HORAS, AUTORIZE EM FAVOR DE ELIZETE DATTOLI o internamento domiciliar, através de HOME CARE COM ACOMPANHAMENTO MULTIDISCIPLINAR (ENFERMAGEM, FISIOTERAPIA, ETC) e assistência de enfermeiro(a) 12 horas diárias, DEVENDO FORNECER TODOS OS MATERIAIS NECESSÁRIOS, tudo em conformidade com relatório médico.
Para hipótese de descumprimento do preceito, com fulcro no art.537 do NCPC, fixo multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada a sua incidência ao teto dos Juizados Especiais, sem prejuízo de necessidade de eventual revisão, tendo em vista os fins propostos.
Cumpra-se, servindo a presente decisão de mandado.
Intimem-se.
SALVADOR, 8 de Fevereiro de 2019.
MARIANA TEIXEIRA LOPES
As internações domiciliares e o coronavírus.
A Professora Ana Clara Suzart foi feliz ao abordar aspectos da internação domiciliar durante a pandemia do coronavírus. Isto porque, parece claro, a infecção pelo coronavírus pode conduzir ao óbito daqueles pacientes que se encontram em grupo de risco.
Dessarte, a internação domiciliar, para estes pacientes, pode significar a própria sobrevida. É de se notar, todavia, que os hospitais vem adotando medidas de proteção sanitária destes pacientes, as quais, todavia, nem sempre se revelam suficientes e adequadas. Veja-se:
O tratamento home care, diante da pandemia vivenciada, pode ser fundamental tanto para os pacientes que se encontram em grupo de risco, quanto para aqueles que foram contaminados com o coronavírus, sofreram as agruras da patologia e necessitam se recuperar em casa, em virtude de, em muitas situações, estarem debilitados e enfrentarem a possibilidade de novas contaminações.[11]
No bojo do Processo n.º 8054466-86.2020.8.05.0001, que se encontrava em trâmite no Juizado Especial Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, verificou-se decisão interlocutória, em que a magistrada deferiu a tutela de urgência pleiteada determinando que a Operadora de Plano de Saúde autorizasse e providenciasse o acompanhamento do paciente em home care, com assistência de toda equipe multidisciplinar, medicamentos e equipamentos, tudo quanto necessário ao seu pronto restabelecimento. Insta salientar que o citado paciente se encontrava internado há mais de 75 (setenta e cinco) dias, acamado, em virtude do diagnóstico de COVID-19 e depois intercorrências, como síndrome respiratória por uso prolongado de respirador, infecções hospitalares, inclusive pela superbactéria KPC, dentre outras bactérias e fungos, sangramento pulmonar.[12]
[1] Apelação Cível Nº 70078845989, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em 26/09/2018, Dj 3.10.2018.
[2] Súmula 302, 2ª Seção, julgado em 18/10/2004, DJ 22/11/2004, p. 425.