DIREITO AO ESQUECIMENTO
1. CONCEITUAÇÃO
O direito ao esquecimento pode ser conceituado como o direito intrínseco ao ser humano em não assentir que um fato ocorrido em determinado momento de sua vida, ainda que verdadeiro, seja exposto ao público, acarretando-lhe sofrimento ou transtornos. Esse direito também pode ser conhecido como o direito de estar só ou de ser deixado em paz. [1]
Diante do fortalecimento do papel da mídia, o direito ao esquecimento pode ser visto como meio de impedir que fatos passados sejam revistos de maneira aleatória, causando enormes prejuízos ao envolvido[2], tornando-se uma garantia contra o superinformacionismo. [3]
Discute-se, a partir desse direito, a possibilidade – ou razoabilidade – da divulgação de informações que, apesar de verdadeiras, não sejam atuais nem causem diversos transtornos às pessoas, a fim de que os fatos não sejam utilizados de maneira indevida e no tempo errado. [4]
Embora não haja previsão legal expressa, é possível afirmar que o direito ao esquecimento possui uma raiz tanto constitucional quanto legal, uma vez que constitui um aspecto da dignidade da pessoa humana e do direito da privacidade. [5]
Conhecido nos Estados Unidos como “the right to be alone”[6], o direito ao esquecimento é uma garantia de que as informações sobre um indivíduo apenas “serão conservados de maneira a permitir a identificação do sujeito a eles ligado, além de somente poder ser mantido durante o tempo necessário para suas finalidades”. [7]
Além disso, existe, ainda, outro aspecto do direito ao esquecimento, que é o da vítima de um fato delitivo ou evento danoso, ou de seus familiares, que também não desejam rememorar o fato, pelo motivo deste causar dor, transtorno ou angústia. [8]
2 CONFLITO EM QUESTÃO
A controvérsia sobre esta matéria envolve o confronto entre os atributos referentes à personalidade e os direitos de comunicação social (liberdades de expressão e informação). É necessário apreciar até que ponto a liberdade de imprensa pode interferir na vida privada, especialmente no que concerne a fatos pretéritos. [9]
O direito ao esquecimento surge como ferramenta de proteção da esfera privada. [10]
Quando informações passadas vêm à tona com destaque de informações mais recentes, surge um delicado conflito no campo jurídico. Enquanto de um lado há o interesse público de rememorar fatos antigos, de outro não obstante ninguém tenha o direito de apagar os fatos, é preciso evitar que um indivíduo seja atormentado, ao longo da vida, por um acontecimento passado. [11]
Na sociedade contemporânea, é indubitável que a imprensa é veículo formador de opinião pública mais até que informativa. [12]
Desta forma, é necessário analisar se ainda há interesse público na informação divulgada pela imprensa.
O direito à informação possui características próprias de direito-dever e a notícia sobressai a esfera do âmbito particular do sujeito nela retratado caso haja interesse público. [13]
Além disso, a Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) assegura, em seu artigo 31, o respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas no tratamento de dados pessoais, assim como às garantias e liberdades individuais. [14]
Haverá colisão do direito ao esquecimento com o direito à informação quando o titular daquele não mais desejar a exposição de informação a seu respeito. O sopesamento deve ser adotado e, verificando a falta de atualidade e ausência de qualquer interesse público, não deverá ser mais divulgada a informação. [15]
Ressalte-se que o direito ao esquecimento não será aplicado pelo mero dissabor ou discordância com os fatos retratados. [16]
Necessária se faz a harmonização entre os princípios constitucionais, possibilitando o exercício de direito a informação desde que respeitados os direitos individuais do cidadão, visto que a preservação do indivíduo é uma preocupação constitucional, devendo ser protegida minimamente. [17]
Diante disso, surgem questionamentos sobre quais informações devem ser disponibilizadas e por qual período de tempo, ressaltando-se que não se quer fazer alusão à censura, mas estabelecer os limites da informação. [18]
Além da verificação do interesse público na notícia e contemporaneidade e pertinência da retratação do fato ou informação, assinala-se critérios que o intérprete deverá analisar casuisticamente, como a autenticidade do fato, a maneira em que o fato está sendo exposto e a substancialidade do conteúdo ao retratá-lo. [19]
Também é necessário que esteja presente o animus narrandi na notícia, isto é, que haja ausência de intuito ofensivo ou difamatório, de forma a informar objetivamente os fatos. [20]
Todavia, inobstante haja parâmetros balizadores para a configuração do direito ao esquecimento, como os critérios de atualidade, veracidade e animus narrandi, é possível afirmar que são insuficientes, por si sós, para tutelarem o direito ao esquecimento, pois há possibilidade desse direito existir ainda que estes pressupostos estejam presentes. [21]
Apenas analisando concretamente cada hipótese fática é que será viável elucidar qual o alcance do fato a ser esquecido e o tempo plausível para que um fato não mais apresente consequências, em razão da tutela do titular da personalidade. [22]
3. A QUESTÃO DO INTERESSE PÚBLICO
A informação que ostenta de interesse público é aquela que encontra-se inserida no âmbito do direito à informação. No entanto, estabelecer o que é interesse público é de difícil definição. [23]
Apesar do conceito de interesse público possuir uma significação fluida, é imperioso salientar que este não se confunde com o interesse do público, que é norteado, diversas vezes, por sentimento de ódio público, condenação, praceamento da pessoa humana ou vingança continuada [24], podendo se exaurir, também, em mera curiosidade. [25]
Em sua essencialidade, o interesse público:
diz respeito a um variado espectro de fatos de particular relevância, seja no que concerne àqueles que se atrelam a figuras públicas, seja no que tange aos que, formalmente, sejam importantes do ponto de vista de uma narrativa histórica, seja, por fim, no que pertine a específicos fatos notáveis em função da sua singularidade. [26]
Para Viviane Nóbrega Maldonado, a perda do interesse público acerca de determinada informação pelo decurso do tempo é pressuposto do direito ao esquecimento. [27]
Com o decurso do tempo, os interesses individuais referentes à pessoa objeto das informações preponderam em face do interesse público consubstanciado nas liberdades de manifestação e direito à informação. [28]
A dificuldade de conceituação da ocorrência de desrespeito aos direitos da personalidade possui aptidão de gerar consequências indesejadas aos interesses de publicação de determinada informação, assim como no direito de prestar informação à sociedade. [29]
Partindo da premissa que o direito ao esquecimento encontra-se confronto entre privacidade e direito à informação, ele deve ser interpretado a partir de critério de proporcionalidade e função: O direito à informação somente deve existir quando não violar o direito fundamental de personalidade. A informação somente transpassar a esfera de direito da pessoa retratada na ocorrência de claro e inquestionável interesse público a justificar a sua divulgação. [30]
Depois de determinado transcurso de tempo, o interesse público pautado nas liberdades de manifestação, bem como o direito à informação cede no balanceamento em face de interesses individuais. A passagem do tempo possui aptidão de modificar o equilíbrio, que anteriormente tendia a prevalência do interesse público na sua divulgação. [31]
O dado deixa de ser atual e pertinente ao passar do tempo: a antiga informação sobre o indivíduo tende a perder a sua relevância diante do novo contexto em que se encontra inserido. [32]
Mesmo que o direito à informação seja tutelado pela Constituição Federal, seu exercício terá limitações e o seu conteúdo não deverá ocasionar dano pessoal desproporcional e tratamento humilhante ao indivíduo. [33]
A alternativa não é “violar o princípio da publicidade, nem criar meios de censura, mas não se podem violar os princípios da intimidade, vida e dignidade, violando-se, por consequência, o direito ao esquecimento”. [34]
O reconhecimento da dignidade da pessoa humana faz com que o indivíduo tenha a liberdade e o direito de escrever sua própria história. A análise do princípio da dignidade da pessoa humana deve ser requisito para a exteriorização do direito ao esquecimento. Essa orientação tem “por intuito a preservação e a valorização do ser humano como sujeito em si mesmo, situação que não cede a outros interesses que não o estritamente definido como interesse público”. [35]
[1] PAIVA, Bruno César Ribeiro de. O direito ao esquecimento em face da liberdade de expressão e de informação. Revista Jurídica De Jure. Belo Horizonte: Ministério Público do Estado de Minas Gerais, v. 13, jan/jun. 2014, p. 273.
[2] SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2014, p. 173.
[3] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: parte geral e LINDB. 13. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015, v.1, p. 154.
[4] BITTENCOURT, Illa Barbosa; VEIGA, Macellaro Veiga. Direito ao esquecimento. Revista Direito Mackenzie. São Paulo: 2014, v. 8, n. 2, p. 45-58. Disponível em: <http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/rmd/article/view/7829>. Acesso em: 16 mar. 2017, p. 10.
[5] PAIVA, Bruno César Ribeiro de. Op. cit., 2014, p. 273. Na visão de Luciana de Paula Assis Ferriani, de outro lado, o direito ao esquecimento possui conexão com o direito à privacidade, porém é figura autônoma. Ver: FERRIANI, Luciana de Paula Assis. O direito ao esquecimento como um direito da personalidade. 2016. Tese. Orientador: Profa. Maria Helena Diniz (Doutorado em Direito Civil Comparado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Disponível em: <https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=3624854>. Acesso em: 16 mar. 2017, p. 39-40.
[6] Em tradução livre: “O direito de ficar sozinho”.
[7] RULLI JÚNIOR, Antonio; RULLI NETO; Antonio. Direito ao esquecimento e o superinformacionismo: apontamentos no direito brasileiro dentro do contexto de sociedade da informação. Revista ESMAT. Palmas: ESMAT, n. 6, jul/dez. 2013, p. 20.
[8] FERRIANI, Luciana de Paula Assis. O direito ao esquecimento como um direito da personalidade. 2016. Tese. Orientador: Profa. Maria Helena Diniz (Doutorado em Direito Civil Comparado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Disponível em: <https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=3624854>. Acesso em: 16 mar. 2017, p. 64.
[9] PAIVA, Bruno César Ribeiro de. O direito ao esquecimento em face da liberdade de expressão e de informação. Revista Jurídica De Jure. Belo Horizonte: Ministério Público do Estado de Minas Gerais, v. 13, jan/jun. 2014, p. 273.
[10] COSTA. André Brandão Nery. Direito ao esquecimento na Internet: a Scarlet letter digital. In: SCHREIBER, Anderson. Direito e mídia. São Paulo: Atlas, 2013, p. 187.
[11] SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2014, p. 172.
[12] MOREIRA, Poliana Bozégia. Direito ao esquecimento. 2015. Universidade Federal de Viçosa. Disponível em: <http://www.seer.ufv.br/seer/revdireito/index.php/RevistaDireito-UFV/article/view/146/50>. Acesso em 26. mar. 2017, p. 303-304.
[13] STEINER, Renata C. Breves notas sobre o direito ao esquecimento. In: RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski; SOUZA, Eduardo Nunes de; MENEZES; Joyceane Bezerra de, EHRHARDT JUNIOR, Marcos. (Orgs.). Direito civil constitucional: a ressignificação da função dos institutos fundamentais do direito civil contemporâneo e suas consequências. Florianópolis: Conceito Editorial, 2014, p. 100.
[14] BRASIL. Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em 26. mar. 2017.
[15] FERRIANI, Luciana de Paula Assis. O direito ao esquecimento como um direito da personalidade. 2016. Tese. Orientador: Profa. Maria Helena Diniz (Doutorado em Direito Civil Comparado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Disponível em: <https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=3624854>. Acesso em: 16 mar. 2017, p. 43.
[16] STEINER, Renata C. Op. cit., 2014, p. 100.
[17] MOREIRA, Poliana Bozégia. Op. cit., 2015, p. 298.
[18] RULLI JÚNIOR, Antonio; RULLI NETO; Antonio. Direito ao esquecimento e o superinformacionismo: apontamentos no direito brasileiro dentro do contexto de sociedade da informação. Revista ESMAT. Palmas: ESMAT, n. 6, jul/dez. 2013, p. 13.
[19] TEFFÉ, Chiara Spadaccini de; BARLETTA, Fabiana Rodrigues. O direito ao esquecimento: uma expressão possível do direito à privacidade. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 105, mai/jun. 2016, p. 52.
[20] STEINER, Renata C. Breves notas sobre o direito ao esquecimento. In: RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski; SOUZA, Eduardo Nunes de; MENEZES; Joyceane Bezerra de, EHRHARDT JUNIOR, Marcos. (Orgs.). Direito civil constitucional: a ressignificação da função dos institutos fundamentais do direito civil contemporâneo e suas consequências. Florianópolis: Conceito Editorial, 2014, p. 90.
[21] Ibidem, p. 91.
[22] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: parte geral e LINDB. 13. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015, v.1, p. 155.
[23] MALDONADO, Viviane Nóbrega. Direito ao esquecimento. Barueri: Novo Século Editora, 2017, p. 115.
[24] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1334097/RJ – Proc. 2012/0122910-7. Recorrente: Globo Comunicações e Participações S/A. Recorrido: Jurandir Gomes de França. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, DJe 10 set 2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=31006510&num_registro=201201449107&data=20130910&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em 24 mar. 2017.
[25] MALDONADO, Viviane Nóbrega. op.cit., 2017, p. 115.
[26] Ibidem. loc.cit.
[27] Ibidem, p. 33.
[28] COSTA, André Brandão Nery. Direito ao esquecimento no ambiente digital: estratégias para a otimização dos interesses em jogo. Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 67, jul. 2016, p. 84.
[29] Ibidem, p. 87.
[30] STEINER, Renata C. Breves notas sobre o direito ao esquecimento. In: RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski; SOUZA, Eduardo Nunes de; MENEZES; Joyceane Bezerra de, EHRHARDT JUNIOR, Marcos. (Orgs.). Direito civil constitucional: a ressignificação da função dos institutos fundamentais do direito civil contemporâneo e suas consequências. Florianópolis: Conceito Editorial, 2014, p. 97
[31] COSTA, André Brandão Nery. Direito ao esquecimento no ambiente digital: estratégias para a otimização dos interesses em jogo. Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 67, jul. 2016, p. 84-85.
[32] Ibidem. loc.cit.
[33] RULLI JÚNIOR, Antonio; RULLI NETO; Antonio. Direito ao esquecimento e o superinformacionismo: apontamentos no direito brasileiro dentro do contexto de sociedade da informação. Revista ESMAT. Palmas: ESMAT, n. 6, jul/dez. 2013, p. 29.
[34] Ibidem, p. 22.
[35] MALDONADO, Viviane Nóbrega. Direito ao esquecimento. Barueri: Novo Século Editora, 2017, p. 122 et seq.