Plano de saúde, quais os limites à sua atuação?
Em virtude da precarização do serviço público de saúde, a sociedade brasileira viu se desenvolver um novo ramo de atividade econômica: a das empresas mantenedoras de planos de assistência à saúde. A matéria encontra-se disciplinada na Lei n. 9.656/98 e, também, em atos normativos infralegais. [1]
Insta destacar que a relação estabelecida entre o segurado e as empresas mantenedoras de planos privados de assistência à saúde é típica relação de consumo e, como tal, impõe a observância do regime jurídico insculpido na Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor).
Neste sentido, confira-se o enunciado 100 da Súmula do TJ/SP:
Súmula 100: O contrato de plano/seguro saúde submete-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e da Lei n. 9.656/98 ainda que a avença tenha sido celebrada antes da vigência desses diplomas legais.
Apesar da existência de proteção legal, os segurados enfrentam constantes violações em seus direitos em virtude de práticas abusivas das operadoras de planos de saúde.
Neste artigo viso destacar três temas que são objeto de constante deliberação judicial quando o assunto é plano de saúde.
1. Cabe aos médicos o dever de decidir qual o procedimento adequado e pertinente para cada paciente, e não à operadora de plano de saúde.
É constante a controvérsia (criada pelas operadoras de plano de saúde) no que atine ao procedimento médico adequado para cada paciente.
A jurisprudência destaca que cabe ao médico tal mister, isto é, a ele incumbe decidir qual o procedimento adequado e pertinente para cada paciente.
Veja-se:
RECURSOS DE AGRAVO CONTRA DECISÃO TERMINATIVA DO RELATOR QUE NEGOU SEGUIMENTO A RECURSOS DE APELAÇÃO. DUAS AÇÕES. SENTENÇA ÚNICA. PLANO DE SAÚDE. INCIDÊNCIA DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. SÚMULA 469 DO STJ.EXAME DE CINTILOGRAFIA COM OCTREOTIDE (OCTREOSCAN) COM SPECT-CT.PLANEJAMENTO DO USO DO MEDICAMENTO LUTÉCIO 177. TRATAMENTO DE CÂNCER NO INTESTINO. PROCEDIMENTO PRESCRITO PELO MÉDICO ASSISTENTE. NEGATIVA DE COBERTURA. ALEGAÇÃO DE QUE O PROCEDIMENTO SOLICITADO NÃO INTEGRA O ROL DA RESOLUÇÃO 262/11 DA ANS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL. CLÁUSULA ABUSIVA. RECUSA INDEVIDA. PRECEDENTES DO STJ E DO TJPE. DANO MORAL. CABIMENTO. SÚMULA 035 DO TJPE. SENTENÇA DO JUIZ A QUO E DECISÃO COMBATIDA MANTIDAS. RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO À UNANIMIDADE. a) Não se observa, nestes recursos, qualquer argumentação que venha a ensejar a modificação pretendida, pois, como dito na decisão impugnada, consta nos autos laudo médico subscrito pela médica assistente, atestando que o melhor tratamento para o apelado é o de Lutécio radioativo, já que a doença da qual o mesmo é portador não responde bem à quimioterapia convencional ou a outras formas de tratamento;b) O método de tratamento a ser utilizado para a cura do paciente cabe ao médico assistente e não à operadora do seguro ou plano de saúde;c) O entendimento sumulado do STJ é o de que “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde” (Súmula 469);d) O entendimento do STJ, pacificamente acompanhado pelo TJPE, é o de que são abusivas as cláusulas contratuais que excluem da cobertura o tratamento necessário ao restabelecimento da saúde do segurado, mesmo que o contrato tenha sido celebrado antes da Lei nº 9.656/1998;e)Este Tribunal já sumulou o entendimento de que “A negativa de cobertura fundada em cláusula abusiva de contrato de assistência à saúde pode dar ensejo à indenização por dano moral” (Súmula 035);f) A quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), fixada pelo Juiz a quo e mantida pela decisão combatida, está em sintonia com os patamares estabelecidos nesta Corte de Justiça em casos semelhantes. (TJ-PE – AGV: 3734441 PE, Relator: Jovaldo Nunes Gomes, Data de Julgamento:16/12/2015, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 21/01/2016)
(…)É ilícita a conduta da operadora de plano de saúde em não prestar o tratamento necessário e adequado ao consumidor. A autorização de um procedimento, pleiteado pelo beneficiário e indicado por seu médico, não pode ficar limitada aos casos em que a Agência Nacional de Saúde prevê cobertura obrigatória. 4. O beneficiário, ao contratar o plano de saúde particular, tem a legítima expectativa de ter o devido atendimento médico. A recusa injustificada à cobertura do tratamento recomendado pelo médico afeta o estado emocional e psicológico da parte contratante, configurando dano moral. 5. O arbitramento do valor indenizatório deve obedecer aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma que a soma não seja tão grande que provoque o enriquecimento da vítima, nem tão pequena que se torne inexpressiva. Demonstrado que o valor fixado na sentença é compatível com o dano sofrido, deve ser mantido. 6. Apelação da Ré conhecida, mas não provida. Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada. Apelação da Autora conhecida, mas não provida. Unânime. (TJ-DF – APC: 20140111750797, Relator: FÁTIMA RAFAEL, Data de Julgamento: 18/11/2015, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 23/11/2015. Pág.: 259)
2. Não existindo médico credenciado do plano de saúde para a mesma especialidade, o consumidor faz jus ao custeio do procedimento pelo plano com médico alheio à rede credenciada.
Na hipótese de o plano de saúde não ofertar em sua rede credenciada profissional especialista para realização de certo procedimento cirúrgico, a operadora do plano deverá arcar com os custos da contratação de profissional desatrelado à rede credenciada.
Confira-se as palavras da Ministra Relatora Mary Angélica Santos Coêlho, em julgamento do Recurso Inominado nº 3220141039795/TJ-BA:
Destarte, se o plano não dispõe em seu quadro de profissional especialista para realizar determinado procedimento cirúrgico, que, a seu turno, seria crucial para a manutenção da saúde do segurado, deve o mesmo suportar e cobrir as despesas referentes ao procedimento sob enfoque. No caso, a recorrida não se desincumbiu de seu ônus probatório, restando comprovada a negativa de atendimento, que foi, inclusive, confessada pela Recorrida.
No entanto, é de se notar que se existir médico credenciado ao plano de saúde, da mesma especialidade, não é permitido ao beneficiário optar livremente por outro profissional da rede privada e imputar os custos do tratamento ao plano de saúde. Confira-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO PLANO DE SAÚDE ESCOLHA DE MÉDICO NÃO CREDENCIADO NÃO CONFIGURADA URGÊNCIA OU EMERGÊNCIA IMPOSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO. 1- Existindo médico credenciado, da mesma especialidade, ao plano de saúde, não é permitido ao beneficiário optar livremente por outro profissional da rede privada e imputar os custos do tratamento ao plano de saúde. 2- Segundo o inciso VI do art. 12 da Lei nº 9.656/98, o consumidor só faz jus a ser atendido por médico não credenciado se, na rede credenciada ao plano de saúde contratado, não houver disponibilidade de profissionais habilitados à realização do respectivo tratamento. 3 – A Lei nº. 9.656/98 (art. 12, inciso IV) estabelece que haverá reembolso das despesas efetuadas pelo beneficiário, em casos de urgência e emergência, quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras. 4- Recurso provido para que todo o tratamento da agravada seja realizado por profissionais da rede credenciada ao plano de saúde. (TJ-ES – AI: 00090877920188080024, Relator: MANOEL ALVES RABELO, Data de Julgamento: 18/06/2018, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 29/06/2018)
Sucede que deve haver comprovação da habilitação específica do profissional médico para o procedimento necessitado pelo consumidor. Dessa forma, a alegação genérica da operadora de plano de saúde acerca da existência de médicos credenciados não traduz, de per si, a habilitação específica determinada por lei.
Confira-se o seguinte julgado:
Compulsando os autos verifico que o réu apenas se limitou a apontar o nome de dois médicos nos autos, porém não comprovou a existência de médicos com habilitação específica para as cirurgias necessitadas pela parte autora.
Sendo assim, não tendo a ré se desincumbido de seu ônus de provar o credenciamento de profissionais especializados para a cirurgia da parte autora, deve a sentença ser reformada para determinar que a ré arque com o valor integral dos honorários médicos constante no orçamento acostado ao evento 1 e libere o procedimento a ser realizado com o médico assistente da autora com os materiais requeridos pelo referido profissional. ( Recurso Inominado nº 0078785-31.2018.8.05.0001, 2ª Turma do Juizado Especial Cível da Bahia, Julgado em 22/11/2018)
Portanto, a operadora de plano de saúde deve demonstrar, de forma específica, que existe médico especialista em sua rede credenciada para a realização do procedimento cirúrgico prescrito ao consumidor.
3. Tratamento experimental.
Confira-se o que dispõe o inciso I do Art. 10 da Lei 9.656/98:
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
I – tratamento clínico ou cirúrgico experimental; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)(…)
Conforme se extrai do excerto legal, tratamentos experimentais encontram-se excluídos da cobertura dos planos de saúde. Ocorre, entretanto, que a compreensão do que vem a ser tratamento clínico ou cirúrgico experimental enfrenta controvérsias em contendas judiciais.
Neste contexto, com o afã de restringir o rol de cobertura, as operadoras de plano de saúde tendem a ampliar o sentido do que vem a ser efetivamente tratamento clínico ou cirúrgico experimental, com desiderato de reduzir seus custos no exercício da atividade empresarial.
O Desembargador Francisco Loureiro, no entanto, asseverou com clareza no julgamento da Apelação Cível n.º 990.10.576331-6, julgada pela 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que “(…) pelo termo “tratamento experimental”, cuja cobertura está de fato excluída do contrato, se deve entender apenas aqueles sem qualquer base científica, não aprovado pela comunidade nem pela literatura médica, muito menos ministrado a pacientes em situação similar. Seriam os casos, por exemplo, de tratamentos à base de florais, cromoterapia, ou outros, ainda sem comprovação científica séria”.
Em conclusão, calha referir os enunciados de Súmula veiculados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vanguardista na temática atinente aos planos de saúde. Veja-se:
Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.
Súmula 95: Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.
Súmula 96: Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento
4. Conclusão.
Neste artigo, foram abordados alguns direitos dos consumidores quando a temática é plano de saúde. Trata-se, no entanto, de análise que não se revela exaustiva.
Nos artigos seguintes, serão abordados novos temas com propósito informativo. É recomendável, na hipótese de violação dos direitos expostos neste artigo, o auxílio técnico de um advogado.
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[1] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. 3. Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 317