Saúde mental: O tratamento de transtornos mentais deve ser integralmente assegurado pelo plano de saúde, sem limite de sessões
Desde 1947, a Organização Mundial da Saúde define saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, descrevendo a saúde mental como um “estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade”.
Só nos últimos anos, no entanto, o debate público vem dando maior atenção à saúde psíquica, havendo ainda muito estigma e desinformação quanto às doenças mentais.
Os transtornos mentais, doenças classificadas pela OMS na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), podem ser tratados por profissionais especializados – médicos psiquiatras e psicólogos especializados em doenças mentais. Indica-se, na maioria dos casos, o tratamento conjunto, com ambos os profissionais, tendo em vista a abordagem complementar dos mesmos. No mais, deve ser considerado que apenas os psiquiatras estão autorizados e receitar medicamentos e que nem todos os psicólogos se dedicam ao estudo e tratamento de doenças mentais.
Dito isto, considerando que o acompanhamento por estes profissionais integra o tratamento para doenças previstas na CID (como ansiedade, depressão, TOC, transtornos alimentares, etc), estes serviços devem ser ofertados na rede pública e particular e, salvo exclusão expressa da cobertura de transtornos mentais, assegurado pelos planos de saúde privados.
No que toca aos planos de saúde, por força do art. 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998) associado aos princípios de direito do consumidor, estes estão obrigados à cobertura integral do tratamento de todas as doenças previstas no CID, salvo exclusão contratual expressa de alguma doença, não cabendo às operadoras limitar as possibilidades de tratamentos dos seus beneficiários. Este é o posicionamento majoritário do STJ, seguido por todos os tribunais do país, veja:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DE TRATAMENTO PRESCRITO. IMPOSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. CABIMENTO. DECISÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ.
- A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de ser abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento prescrito para garantir a saúde ou a vida do segurado, porque o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional habilitado na busca da cura.
- Ademais, o STJ possui jurisprudência no sentido de que a recusa indevida à cobertura pleiteada pelo segurado é causa de danos morais in re ipsa, pois agrava a sua situação de aflição psicológica e de angústia no espírito.
- Considerando que o acórdão hostilizado encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Casa, inarredável a incidência da Súmula 83/STJ, aplicável ao recursos especiais interpostos pelas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.
- Agravo Interno não provido.
(STJ, AgInt no AREsp 1573618 / GO. Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140), julgado em 22/06/2020, DJe 30/06/2020)
Ou seja, o sujeito beneficiário de um plano de saúde de qualquer espécie tem assegurado o direito de recorrer a um médico psiquiatra ou psicólogo credenciado com os custos cobertos pelo plano até que recebe alta médica.
Caso não haja profissional habilitado credenciado junto ao plano, ainda assim é assegurado o direito de ver reembolsado o custo das consultas ou sessões, dentro do limite estabelecido no contrato, como reza o art. 12, VI da Lei dos Planos de Saúde:
Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:
VI – reembolso, em todos os tipos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nos limites das obrigações contratuais, das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde, em casos de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, de acordo com a relação de preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto, pagáveis no prazo máximo de trinta dias após a entrega da documentação adequada;
Fonte da imagem: Corpo de Bombeiros Militar. Disponível em: <https://www.bombeiros.go.gov.br/sem-categoria/cuidados-com-a-saude-mental-uma-pratica-saudavel.html>. Acesso em 23 set. 2020.
Importa lembrar que as consultas com psicólogos estão previstas no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), integrando, portanto, de forma inconteste, o conjunto mínimo obrigatório de tratamentos a serem disponibilizados, devendo, no entanto, ser desconsiderado o limite de sessões anuais previsto naquela lista, por tratar-se de referencial mínimo, tão somente.
Destaca-se que os planos de saúde não podem de forma alguma estabelecer um número máximo de sessões ou de dias de internação, cabendo exclusivamente ao médico assistente, observando a necessidade clínica de cada paciente, determinar o tempo do tratamento. Assim, havendo prescrição médica para que seja feito acompanhamento com psicólogo, a negativa dos planos de saúde é abusiva.
Veja-se neste sentido passagem da decisão do Min. Raul Araújo, do STJ, no julgamento do REsp 1886873, julgado em 31/08/2020:
De fato, à luz do Código de Defesa do Consumidor, devem ser reputadas como abusivas as cláusulas que nitidamente afetam de maneira significativa a própria essência do contrato, impondo restrições ou limitações aos procedimentos médicos, fisioterápicos e hospitalares (v.g. limitação do tempo de internação, número de sessões de fisioterapia, entre outros) prescritos para doenças cobertas nos contratos de assistência e seguro de saúde dos contratantes.
No particular, este Tribunal já assentou que “há abusividade na cláusula contratual ou em ato da operadora de plano de saúde que importe em interrupção de tratamento de terapia por esgotamento do número de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, visto que se revela incompatível com a equidade e a boa-fé, colocando o usuário (consumidor) em situação de desvantagem exagerada (art. 51, IV, da Lei 8.078/1990)” (REsp 1.642.255/MS, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJe de 20/4/2018).
Este é o entendimento adotado também pelo Tribunal de Justiça da Bahia:
APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. MENOR DIAGNOSTICADO COM TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA. PRESCRIÇÃO MÉDICA DE TERAPIA OCUPACIONAL, PSICOTERAPIA E FONOAUDIOLOGIA. LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE SESSÕES. ABUSIVIDADE EVIDENCIADA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INOCORRÊNCIA. SÚMULA 326, DO STJ. INCIDÊNCIA DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPORTE CONDENATÓRIO. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, §2º, DO CPC. SENTENÇA REFORMADA, NO PARTICULAR. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
( Classe: Apelação,Número do Processo: 0524047-36.2018.8.05.0001,Relator(a): JOSE EDIVALDO ROCHA ROTONDANO,Publicado em: 11/02/2020 )
É dizer, protege-se o direito do consumidor de se ver assistido enquanto for necessário, vedando a determinação de número máximo de sessões de psicoterapia. Enquanto houver necessidade médica, identificada pela simples prescrição médica, o plano fica obrigado a cobrir todas as sessões necessárias, não importa quantas sejam. Não encontra guarida no sistema jurídico a intervenção de empresas operadoras de planos de saúde no livre ofício do médico.
Não restam dúvidas, portanto, quanto ao igual tratamento dispensado juridicamente às doenças mentais, de qualquer espécie. No que toca especificamente aos planos de saúde, não é feita qualquer distinção, valendo as mesmas regras de obrigatoriedade de cobertura dos tratamentos e impossibilidade de limitação dos números de sessões de terapia ou dias de internação.
Diante da negativa de cobertura ou limitação do número de sessões de psicoterapia com psicólogo, prescritas por médico psiquiatra, é evidente a abusividade da conduta do plano, que enseja mesmo indenização, e é possível recorrer ao poder judiciário a fim de reverter a situação.
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O Dias Ribeiro Advocacia é um escritório de advocacia especializado em ações contra planos de saúde. Nos aperfeiçoamos diariamente para prestar o melhor serviço jurídico na tutela do direito à saúde de milhares de beneficiários de plano de saúde.
Artigo escrito por Letícia Pinheiro Soares e revisto e publicado por Luciana Afonso Silva Azevedo