Coisa julgada no processo civil

A coisa julgada, seus pressupostos de formação, funções e limites.

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1. Conceito de coisa julgada.

A doutrina majoritária vem conceituando a coisa julgada como uma qualidade da sentença, que em determinado momento processual é por esta assumida. A res iudicata, assim, seria uma qualidade, e não um efeito do comando decisório. Dar-se-ia a partir do momento em que não é mais possível impugnar a sentença pela via recursal.[1]

Nos termos do art. 502 do Código de Processo Civil, denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

A coisa julgada não se confunde com os efeitos da sentença, tratando-se de fenômenos distintos. Para ilustrar tal situação, cumpre observar que a sentença possui aptidão para produzir todos os seus principais efeitos, mesmo antes do trânsito em julgado. É o que acontece quando pende apenas recurso sem efeito suspensivo. A coisa julgada, portanto, é um plus com relação aos efeitos principais da sentença. [2]

2. Pressupostos de Formação.

A coisa julgada depende de dois fatos para ocorrer: (a) uma decisão jurisdicional fundada em cognição exauriente e; (b) o trânsito em julgado.[3]

Cuidam-se, pois, de pressupostos para a formação da coisa julgada, sem os quais não há de se falar em sua ocorrência. Não se cogita de coisa julgada em meio a decisões de natureza provisória, uma vez que a coisa julgada pressupõe o esgotamento do contraditório acerca da questão tratada no processo.

Além disso, da decisão não pode mais caber recurso. É necessário, assim, que a decisão passe em julgado.[4]

3. Funções da Coisa Julgada

3.1 Função Negativa da Coisa Julgada

Humberto Theodoro Jr. dispõe que pela função negativa a coisa julgada exaure a ação exercida, excluindo-se a possibilidade de sua reproposição. A coisa julgada, assim, em virtude de sua força vinculativa e impeditiva, não autoriza que partes e juiz evadam-se de uma sujeição definitiva aos efeitos do acertamento que se consumou no processo de conhecimento. Em linhas práticas, cabe a qualquer dos litigantes a exceptio rei iudicatae, para excluir nova discussão acerca de relação jurídica decidida, cabendo ao juiz, inclusive de ofício, extinguir o processo sem a apreciação de seu mérito, nos termos do art. 485V e § 3º do CPC.[5]

Em síntese, a função negativa inibe a repropositura de ação idêntica no âmbito do Poder Judiciário, uma vez que haverá ocorrido a coisa julgada.

3.2 Função positiva da coisa julgada.

A função positiva da coisa julgada impõe que a decisão acobertada pelos efeitos da coisa julgada material seja observada por qualquer magistrado, na análise de outro processo entre as partes, cujo resultado dependa logicamente da solução alcançada no processo em que já se formou a coisa julgada.[6]

4. Limites

4.1 Limites objetivos.

Partindo da premissa de que a sentença é composta por relatório, fundamentação e dispositivo, quando a doutrina se refere aos limites objetivos da coisa julgada, busca definir exatamente que parte da sentença transita em julgado.[7]

Houve uma ampliação dos limites objetivos da coisa julgada com o advento da nova legislação processual (CPC 2015), passando esta a abarcar não apenas a questão principal expressamente decidida (dispositivo), mas as questões prejudiciais apreciadas incidentalmente por juízo dotado de competência absoluta para resolvê-las.

Merece referência, ainda, o Enunciado nº 165 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Análise de questão prejudicial incidental, desde que preencha os pressupostos dos parágrafos do art. 503, está sujeita à coisa julgada, independentemente de provocação específica para o seu reconhecimento”.

4.2 Limites subjetivos.

A doutrina romana reúne brocardos clássicos acerca dos limites subjetivos da coisa julgada, como “sententia facit ius inter partes” (a sentença cria direito entre as partes) e “res inter alios iudicata tertio non nocet” (a coisa julgada não prejudica a terceiro).[8]

O art. 506 do NCPC é claro acerca do tema: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.

É possível afirmar que a coisa julgada, entendida como qualidade da sentença, é limitada às partes, o que não ocorre com os próprios efeitos, que alcançam inclusive terceiros, em face dos quais o ordenamento jurídico fornece remédios para evitá-los por intermédio, exemplificativamente, da intervenção de terceiros no processo ou do recurso de terceiro prejudicado. Trata-se da teoria da eficácia natural da sentença, introduzida por Liebman e reproduzida por farta parcela dos processualistas nacionais.[9]

5. Coisa julgada formal e material.

A doutrina costuma admitir duas espécies de julgamento: aqueles nos quais há resolução do mérito (pedido e causa de pedir), e aqueles nos quais não há o exame da pretensão, e, portanto, se limitam à análise de aspectos processuais ou constitucionais relativos à pretensão à tutela jurídica, denominados de decisões sem resolução do mérito.

Tomando as espécies de julgamento supracitadas como premissas, a doutrina costuma distinguir os conceitos de coisa julgada material e coisa julgada formal.

Assim, por exemplo, Pontes de Miranda leciona que a coisa julgada será formal quando não se puder mais discutir, no processo, o que fora decidido. A coisa julgada material, de sua vez, impede a discussão, noutro processo, do que se decidiu.[10]

Assim, a coisa julgada formal refere-se à imutabilidade de uma decisão no âmbito do processo em que proferida, ao passo que a coisa julgada material trata desta imutabilidade projetada para fora do processo, em virtude de uma apreciação do mérito da própria demanda.

6. Eficácia Preclusiva da Coisa Julgada

Constitui proteção que milita em favor das partes. A partir do momento em que transita em julgado a decisão de mérito, todos os argumentos e defesas oponíveis ao acolhimento ou rejeição do pedido serão considerados deduzidos e repelidos. Isto significa que as alegações concernentes ao mérito da causa que não tenham sido alegadas, embora pudessem ter sido, não poderão mais ser invocadas para fins de desestabilização do julgado. Em doutrina, refere-se ao brocardo “tantum iudicatum quantum disputatum vel disputari debebat”[11]

 

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REFERÊNCIAS

[1] THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 56 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1080.

[2] WAMBIER, Luiz Rodirigues; TALAMINI; Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 2. 17ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2018, p. 817.

[3] DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 11ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 530.

[4] DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 11ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 531.

[5] THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 56 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1092.

[6]WAMBIER, Luiz Rodirigues; TALAMINI; Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 2. 17ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2018, p. 834.

[7] ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 20ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 347.

[8] ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 20ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 349.

[9]Ibidem, p. 353.

[10] MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo V, arts. 444 a 475, 3ª ed. rev. e aumentada, Rio de Janeiro, Forense, 1997.

[11] MARINONI, Luiz Guilherme Marinoni; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O Novo Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: RT. 2017. p. 642.