Muito se questiona sobre a exigência de prática jurídica para Defensoria Pública.
Isto porque a Lei Complementar 80 de 1994 – legislação que prevê normas gerais para Defensorias estaduais – estipula que no momento da inscrição o candidato ao cargo de Defensor Público da União deve comprovar, no mínimo, 2 anos de prática forense, sendo incluído nesse cômputo o exercício de estágio de direito reconhecido por lei, nos termos do art. 26, caput e §1º da LC 80/94.
Todavia, com a Emenda Constitucional 80/2014, incluiu-se ao texto constitucional:
Art. 134, § 4º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal.
O art. 93 da Constituição Federal estabelece:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
I – ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação
Diante disso, discute-se se a prática jurídica estabelecida no art. 93 (princípios da magistratura) de 3 anos de atividade jurídica após graduação seria aplicável à Defensoria Pública.
O que diz a jurisprudência?
Em julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela inexigência da prática de 3 anos de atividade jurídica para candidatos à Defensoria Pública da União:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. REQUISITOS DO CARGO. COMPROVAÇÃO DE ATIVIDADE JURÍDICA. INTERREGNO BIENAL OU TRIENAL. PREVISÃO LEGAL EXPRESSA. REGRAMENTO EDITALÍCIO DISTINTO. ILEGALIDADE MANIFESTA. (…) 2. A possibilidade de aplicação à Defensoria Pública da União dos princípios norteadores da magistratura nacional, conforme estatuído nos arts. 93, inciso I, e 134, § 4.º, da Constituição da República, exige no concernente aos requisitos do cargo, para efeito de imposição aos candidatos de concurso público o triênio de atividades jurídicas, a edição de lei complementar, conforme o teor do § 1.º do mesmo art. 134 da Constituição. 3. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e a do Supremo Tribunal Federal são pródigas em reconhecer que a exigência de requisito do cargo público e a sua imposição em concurso público devem estar previstas em lei em sentido formal e no respectivo edital, como nos casos de avaliação psicológica (AI 758.533-QO-RG/MG) e de limitação etária (RE 600.885/RS), por exemplo. 4. No caso, o art. 26, § 1.º, da Lei Complementar Federal 80/1994, estabelece que o candidato ao ingresso na carreira da Defensoria Pública da União deve comprovar, dentre outros requisitos, dois anos de prática jurídica, aceitável o estágio de Direito reconhecido por lei. 5. Dessa forma, é ilegal a edição de regramento infralegal distinto disso, como o previsto no art. 29, §§ 1.º-A e § 1.º-B, da Resolução CSDPU 78, de 03/06/2014, que impunha ao candidato a comprovação mínima de três anos de atividades jurídicas praticadas depois da obtenção do grau superior, ou seja, excluído o estágio. 6. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa extensão, não provido.
(STJ – REsp: 1676831 AL 2017/0134823-7, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 05/09/2017, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/09/2017)
Dessa forma, se vê que o STJ entendeu pela ilegalidade de regramento infralegal que impunha ao candidato comprovação mínima de 3 anos de atividade jurídica, sem contar o estágio.
Como fica o regramento para Defensoria Estadual?
Quanto às Defensorias Estaduais, a LC 80/94 manteve-se silente quanto ao prazo exigido para a prática forense, confira:
Art. 112. O ingresso nos cargos iniciais da carreira far-se-á mediante aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil.
§1º Do regulamento do concurso constarão os programas das disciplinas sobre as quais versarão as provas, bem como outras disposições pertinentes à sua organização e realização.
§2º O edital de abertura de inscrições no concurso indicará, obrigatoriamente, o número de cargos vagos na categoria inicial da carreira.
Muitos entendem que a lei complementar estadual deve estabelecer os critérios para ingresso na carreira. A maioria das leis complementares estaduais repete a previsão do art. 26 da LC 80/94 e exige dois anos de prática forense, permitindo o estágio profissional realizado antes da colação de grau. [1]
Além disso, as disposições finais e transitórias da LC 80/94 estebelecem que o estágio seria considerado como prática forense, nos termos do art. 145, §3º.
Desta forma, utilizando a própria LC 80/94 enquanto disposição de normas gerais sobre Defensorias estaduais, bem como precedente do STJ dispondo que não se aplica a exigência mínima de 3 anos de prática jurídica após a conclusão do curso, essa linha de raciocínio deve ser aplicada às Defensorias estaduais.
Não podem concursos como Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais e de São Paulo exigir prática jurídica de 3 anos após o término de graduação, como estão fazendo em seus editais.
A própria LC que dispõe sobre a Defensoria de MG dispõe que o estágio será considerado como prática forente, nos termos do art. 132 da LC 65/2003.
Já a LC da Defensoria Púbica do Estado de SP exige “contar, na data do pedido de inscrição, 2 (dois) anos, no mínimo, de prática profissional na área jurídica, devidamente comprovada”, nos termos do art. 91, V da LC 98/2006,
Portanto, para os concursos de Defensoria Pública de MG e SP, a exigência da prática jurídica de 3 anos, vedado o estágio, é ilegal e contrário ao entendimento jurisprudencial do STJ.
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[1] Dizer o Direito, 2017. Disponível em: https://www.dizerodireito.com.br/2017/09/nos-concursos-da-defensoria-publica.html
Tatiana Gomes
Obrigada pela matéria Doutora.