A flagrante inconstitucionalidade na cobrança de emolumentos (taxa cartorária) para lavratura e registro de escrituras

A questão a ser tratada no presente artigo cinge-se à análise da constitucionalidade dos emolumentos cartorários (taxa cartorária) cobrados pelos Cartórios de Notas e de Registro para lavratura e registro de escritura nas transmissões de imóveis ao longo do Brasil.

Inicialmente, cumpre destacar que os emolumentos dos serviços notariais e de registro devem observar o quanto disposto na Lei nº 10.169/2000, que fixa diretrizes nacionais acerca da temática.

Neste sentido, confira-se o Art. 1º da Lei supra:

Art. 1o Os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro, observadas as normas desta Lei.

Parágrafo único. O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados.

Outrossim, sabe-se que os emolumentos nada mais são do que taxas cobradas para o exercício de serviços específicos e divisíveis pelos agentes delegatários dos cartórios, devendo obedecer, portanto, a todas as diretrizes e princípios tributários expostos no Código Tributário Nacional e na Constituição Federal.

Sucede que as legislações estaduais vem tratando os emolumentos como verdadeiros impostos e utilizando deles para medir a capacidade contributiva do contribuinte, o que é completamente inconstitucional, conforme se demonstrará a seguir.

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A distinção entre taxas e impostos.

Não se pretende, neste artigo, realizar um exame exaustivo das distinções existentes entre taxas e impostos.

No entanto, importa destacar que a Constituição é expressa ao dispor no §2º do artigo 145 que “as taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”.

Sobre o referido parágrafo, cumpre trazer a baila as lições de Luís Eduardo Schoueri:

“ O que é uma base de cálculo ‘própria’ de impostos? Como se verá no Capítulo XII, a base de cálculo ‘própria’ de impostos é aquela que se presta a medir a capacidade contributiva. Se os impostos visam a captar a capacidade contributiva e se a hipótese legal para sua exigência é uma manifestação daquela capacidade, a base de cálculo, por coerência, mede a capacidade contributiva.

Então, o que serve de base de cálculo para a taxa? Pelo mandamento constitucional, já se tem uma primeira resposta, ainda que pela negativa: não serve de base de cálculo das taxas uma grandeza que busque a capacidade contributiva. Por outro lado, se a justificativa da taxa está em não forçar toda a coletividade a suportar um gasto que pode ser imputado a um contribuinte individualizado, é claro que se tem aí uma indicação da base de cálculo possível: será aquela suficiente para medir ainda que com certo grau de aproximação, o valor da atividade que o referido contribuinte exigiu do Estado.” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 186/187)

Evidentemente, a taxa deve possuir base de cálculo que quantifique a atividade estatal em que justificada. Qualquer espécie de taxa de prestação de serviço público que fuja do crivo da valorização da própria atividade estatal estará inquestionavelmente maculada pelo vício inconstitucionalidade.

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O problema vivenciado pelo contribuinte: um mesmo serviço, com valores distintos.

O grande problema que se verifica nas práticas cartorárias ao longo do Brasil consiste na estipulação do valor da transação ou valor venal do imóvel como um elemento apto a influenciar no valor do emolumento exigido do contribuinte, sem uma demonstração concreta de que o serviço prestado é de fato distinto.

Por exemplo, na Bahia, imóveis com valor superior a R$4.000.000,00 (quatro milhões de reais) devem recolher a taxa cartorária no valor de R$17.303,42.

De sua vez, imóveis com valor entre R$1.800.000,00 e R$2.700.000,00 devem recolher a mesma taxa cartorária no valor de R$ 10.238,70.

Pois bem, considerando que a taxa se presta neste caso à remuneração de um serviço específico e divisível, não há de se cogitar de distinção de valores, quando o serviço é o mesmo (lavratura da escritura e registro, respectivamente). Em outras palavras, a escritura lavrada é a mesma, custe o imóvel R$1.000,00 (mil reais) ou R$10.000.000,00 (dez milhões de reais).

Aliás, como bem disse Shoueri, “própria de um imposto é a base de cálculo que revela capacidade contributiva; própria de uma taxa é aquela que mede o serviço prestado ou a atividade estatal”.

Exemplificou o autor:

“Um exemplo pode ilustrar a questão: considere-se uma taxa cobrada pelas autoridades sanitárias para fiscalizar um lote de mercadorias importadas. Considere-se, de um lado, a importação de algumas toneladas de banha de porco e, de outro, algumas latas de caviar. É possível que as últimas custem mais que as primeiras. Se o tributo em questão fosse um imposto, ele seria exigido em maior valor do importador do caviar, já que este revelou maior capacidade contributiva. Por outro lado, tratando-se de uma taxa, é possível que a fiscalização das toneladas de banha de porco exija maior atenção das autoridades, em relação a poucas latas de caviar. Daí que a taxa cobrada pela fiscalização das últimas deve ser menor do que a das primeiras”( Ibidem, p. 553)

O que vem ocorrendo, em verdade, é a utilização desenfreada da taxa como veículo para medição da capacidade contributiva do contribuinte, isto é, a taxa vem se utilizando de base de cálculo própria dos impostos, ao se vincular ao valor da transação ou valor do imóvel.

Isto porque o que justifica as taxas é mesmo o sinalagma, isto é, a contrapartida entre o serviço prestado e o valor recolhido pelo contribuinte, e não deveria ser diferente no caso dos emolumentos cartorários, que constituem taxas por essência.

Leia sobre a prescrição de IPVA clicando aqui.

O segundo problema do contribuinte – a desconsideração do veto presidencial aposto à espécie normativa.

Ao se compulsar o art. 3º da Lei 10.169/2000, verifica-se o veto de seu primeiro inciso. Veja-se:

 Art. 3o É vedado:

I – (VETADO)

Pois bem, compulsando as razões do veto, se observa o seguinte:

  “Art. 3o ……………………………………..

I – estabelecer, como base de cálculo de emolumentos, valores outros que não o equivalente ao negócio jurídico realizado, salvo no caso de imóveis, nos quais prevalecerá o maior valor estabelecido entre o valor do contrato, a avaliação judicial e a tributação fiscal;”

        Razões do veto

“O inciso I do art. 3o do projeto de lei finda por estabelecer como base de cálculo de emolumentos o valor do imóvel. Levando-se em conta que os emolumentos são taxas – é este o seu significado, a sua natureza jurídica, como já firmado pela Excelsa Corte (RTJ 168/95) – encontra o dispositivo como obstáculo o disposto no § 2o do art. 145 da Constituição, tendo em vista que o valor do imóvel é base de cálculo para o Imposto de Transmissão de Propriedade de Imóvel, o que, por certo, impossibilita que para a cobrança dos emolumentos seja utilizada essa mesma base de cálculo. Cumpre colocar ser este o entendimento do Supremo Tribunal Federal (…) (ADIN no 1.530-BA – RTJ 169/32).”

Oras, é evidente que a grande parte dos Estados da federação brasileira vem desrespeitando o eloquente veto aposto ao texto legal, na medida em que efetuam a cobrança de taxas cartorárias tendo por objeto justamente o valor venal do imóvel (na maioria das vezes fixado por ato unilateral das Prefeituras para fins de ITIV), fazendo, dessa forma, medição da capacidade contributiva do contribuinte, em completo desrespeito ao §2º do art. 145 da Constituição Federal.

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Qual a solução, doutor?

Verifica-se a flagrante inconstitucionalidade da cobrança das taxas cartorárias ao longo do Brasil. Me parece que o questionamento judicial das referidas cobranças tarda a ocorrer.

É evidente que os emolumentos cartorários apresentam cobrança inconstitucional e, na pior das hipóteses, o contribuinte faz jus ao recolhimento da taxa cartorária com base no valor da transação imobiliária, o qual, na maioria dos casos, corresponde ao menor valor.

O ideal, entrementes, é que a cobrança do emolumento seja suspensa judicialmente, tendo em vista sua flagrante inconstitucionalidade ao medir a capacidade contributiva ao invés de remunerar um serviço.

Para questionar a cobrança cartorária, o contribuinte deverá consultar um advogado tributarista de sua confiança.

Leia mais sobre a distinção da base de cálculo entre taxas e impostos, neste outro artigo, clicando aqui.

 

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