A autorização da ANVISA como limite inconstitucional ao dever de cobertura dos planos de saúde.

A autorização da ANVISA como limite inconstitucional ao dever de cobertura dos planos de saúde.

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1. Introdução.

A cobertura dos planos de saúde é parametrizada pelo plano-referência, que obriga as operadoras de plano de saúde a efetivarem a cobertura de todas as doenças dispostas na Classificação Estatística Internacional de Doenças da OMS (Organização Mundial de Saúde), conforme art. 10 da Lei 9.656/98.

Sob a forma de rol exemplificativo de cobertura, a ANS publicou o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (com última atualização pela Resolução Normativa 428/2017), por meio do qual a agência ilustra moléstias e a obrigatoriedade de cobertura pelos planos de saúde, conforme a classificação da cobertura assistencial.

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A ausência da terapêutica no rol de procedimentos instituídos pela ANS não constitui óbice bastante para impedir o direito ao custeio de tratamento, como vem destacando o Poder Judiciário. Confira-se o que salientou o Desembargador Mário-Zam Belmiro:

 

 “Com efeito, a afirmação de que a terapêutica não se encontra no rol de procedimentos instituído pela ANS não constitui óbice bastante para impedir o direito da agravada, mormente porque se trata de rol meramente exemplificativo, definidor de uma cobertura mínima a ser observada pelos planos de saúde.

Ora, o médico responsável pelo acompanhamento clínico da autora é quem detém melhores condições de sugerir o tratamento mais adequado ao caso específico, não comparecendo razoável negar o acesso a ele, mormente porque demonstrada a necessidade premente do procedimento, em atenção ao risco de ocorrência de comorbidades.

De fato, não há óbice para a realização do procedimento indicado, sendo certo que carecem os autos de qualquer alusão no sentido de que o método a ser utilizado na recorrida encontra alguma vedação no Brasil.“ 

(TJ-DF 07136199120178070000 DF 0713619-91.2017.8.07.0000, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, Data de Julgamento: 09/02/2018, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 23/02/2018 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

2. Sobre a autorização da ANVISA.

Tormentosa questão diz respeito à obrigatoriedade de custeio (pelos planos de saúde) dos tratamentos médicos não autorizados pela ANVISA.

A resposta (que intuitivamente, deveria ser negativa, e mesmo legalmente, já que o art. 10, V, da Lei 9.656/98 dispensa os planos de saúde do custeio de medicamentos importados não nacionalizados) ganha complexidades no Brasil, em especial devido à burocracia que impede o registro e autorização do uso de medicações muitas das quais já utilizadas com segurança no exterior.

Recentemente, o STJ definiu com base em julgamento de recurso repetitivo que os planos saúde não se encontram compelidos ao custeio de medicações não registradas na Anvisa (RECURSO ESPECIAL Nº 1.712.163 – SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Segunda Seção, julgado em 08/11/2018, Dje 26/11/2018).

A Corte reputou que não é possível que o Judiciário imponha às operadoras de plano de saúde que realizem ato tipificado como infração de natureza sanitária, e que o registro na ANVISA traduz a segurança e eficácia do fármaco.

 Sucede que a compreensão pretoriana desconsiderou a realidade burocrática que pauta a autorização dos medicamentos perante a ANVISA.

 Como exemplo, cite-se o caso da Lenalidomida (nome comercial Revlimid ), fármaco utilizado no tratamento mieloma múltiplo e da síndrome mielodisplásica que, embora introduzido no mercado em 2004, apenas veio a ter sua autorização concretizada pela Anvisa em dezembro de 2017, por meio da Portaria da Anvisa nº344/98, RDC nº 192 de 11/12/2017.

Neste contexto, seria razoável que a Corte Superior de Justiça autorizasse o custeio do medicamento quando restasse comprovada a mora da ANVISA na autorização do fármaco, por meio da demonstração objetiva da eficácia da medicação e sua autorização por órgãos de vigilância sanitária estrangeiros reconhecidos.

A mora da anvisa deriva do reiterado descumprimento do art. 12, § 3º, da Lei nº 6.360/76 (Ressalvado o disposto nos arts. 17-A, 21 e 24-A, o registro será concedido no prazo máximo de noventa dias, a contar da data de protocolo do requerimento, salvo nos casos de inobservância, por parte do requerente, a esta Lei ou a seus regulamentos). Oras, não é mesmo razoável imputar ao enfermo que comprova a eficiência medicamentosa os ônus oriundos da mora burocrática do órgão de Estado, especialmente porque o que se tutela é o direito à vida, na imensa maioria dos casos.

Além disso, há de se distinguir o caso do tratamento experimental, com aquele que diz respeito a medicamento testado e usado de forma constante no exterior mas que, por uma questão de burocracia estatal, não se encontra devidamente autorizado no Brasil.

O julgamento da Corte Superior de Justiça viola o direito constitucional a saúde, e causa prejuízos incalculáveis. Como exemplo dos prejuízos concretos oriundos do indeferimento de autorização do custeio de medicação não autorizada, confira-se o seguinte precedente, que diz respeito ao REVLIMID, medicamento autorizado pela ANVISA em dezembro de 2017:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. REVLIMID- LENALIDOMIDA. ANVISA. AUSÊNCIA DE REGISTRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A determinação judicial de fornecimento de fármacos deve evitar os medicamentos ainda não registrados na ANVISA, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei. 2. Por tudo isso, o registro na ANVISA configura-se como condição necessária para atestar a segurança e o benefício do produto, sendo o primeiro requisito para que o Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação.(TRF-4 – AC: 50505383820164047000 PR 5050538-38.2016.404.7000, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 25/04/2017, TERCEIRA TURMA).

Oras, é evidente que a medicação supracitada seria autorizada pela ANVISA, já que de uso frequente e autorizado em diversos países desenvolvidos. Isto não obstou, contudo, que pela mora e burocracia inerente ao órgão estatal, enfermos fossem lesados em seus direitos à saúde e mesmo à dignidade. 

 Há de se destacar que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Veja-se:

RECURSO DE APELAÇÃO EM AÇÃO ORDINÁRIA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. FALTA DE REGISTRO DA ANVISA. IRRELEVÂNCIA. 1. Necessidade da utilização de medicamento específico. Dever constitucional do Estado, em seu sentido amplo, de fornecer medicamento e condições salubres indispensáveis à sobrevivência humana, conforme determina o artigo 196 da Constituição Federal. 2. Medicamento não autorizado pela ANVISA. Ausência de outro medicamento eficaz para o tratamento. Interpretação teleológica da lei, devendo prevalecer a proteção ao direito indisponível à vida, bem maior do ser humano. 3. Responsabilidade solidária dos entes da federação. Precedentes deste E. Tribunal de Justiça e do STJ e STF. Recurso provido(TJ-SP – APL: 10146282720148260053 SP 1014628-27.2014.8.26.0053, Relator: Marcelo Berthe, Data de Julgamento: 24/11/2014, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 28/11/2014)

3. Considerações Finais.

Com efeito, sustenta-se que há inconstitucionalidade parcial no elenco da autorização da ANVISA como limitação ao dever de cobertura das operadoras de plano de saúde.

Concluí-se que existem medicações com eficiência comprovada no exterior (em países desenvolvidos), mas que, em virtude da mora burocrática, não são devidamente autorizados no Brasil.

Dessa forma, para tais medicações, há de prevalecer o direito à vida e à saúde, porquanto possuem sede constitucional, e não há de se cogitar acerca da existência de tratamento experimental, em especial porque cuidam-se de fármacos comprovadamente eficientes.

Tudo isto sem prejuízo da responsabilização da ANVISA pela mora no registro da medicação, tema que, inclusive, foi abordado no âmbito do RECURSO ESPECIAL Nº 1.712.163 – SP.

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