Cartório de Imóveis não pode impedir transferência de bem gravado com cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade.

Em 2009, um Cartório do Estado de Minas Gerais negou pedido formulado para transferência de bem doado com cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade.

O cartório entendeu na ocasião que tais cláusulas impedem a transferência do imóvel e desautorizam sua transmissão para terceiros. Este entendimento não prevalece em seio judicial, conforme se demonstrará.

Inicialmente, importa destacar o sentido e alcance das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.

A matéria encontra-se delimitada no art. 1.911 do Código Civil. Veja-se:

Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.

Cumpre esclarecer que são distintas e não se confundem as cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade.

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Para compreender o sentido de tais cláusulas, elucidativo são as lições expostas pelo próprio STJ. Veja-se:

“Assim, entende-se por inalienabilidade a restrição imposta ao beneficiário de dispor da coisa, impedindo a sua transferência a terceiros, seja a título gratuito ou oneroso e podendo ser disposta por certo tempo ou de forma vitalícia.

Por sua vez, a impenhorabilidade deve ser compreendida como a proibição de constrição judicial do bem gravado para pagamento de débitos do herdeiro/beneficiário.
E, quanto à incomunicabilidade, segundo as palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, ela versa sobre “a restrição à transferência de fração ideal do bem ao cônjuge (companheiro) quando da formação de um núcleo familiar” (GAGLIANO, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Direito das Sucessões. Vol. 7. São Paulo: Saraiva, p. 346). “

(RECURSO ESPECIAL Nº 1.155.547 – MG (2009/0171881-7))

Com efeito, aposto ao bem doado cláusula de impenhorabilidade ou incomunicabilidade, nada obsta que, por vontade de seu titular, o referido bem seja alienado, pois tais cláusulas não inibem a transferência do bem. Situação diferente seria se a cláusula de inalienabilidade fosse gravada ao bem. Neste último caso, a transferência do imóvel seria estritamente vedada.

Confira-se a ementa de julgamento da corte pretoriana:

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE CANCELAMENTO DE GRAVAMES – PROCEDIMENTO ESPECIAL DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA – IMPENHORABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE – DOAÇÃO – MORTE DO DOADOR – RESTRIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE – INTERPRETAÇÃO DO CAPUT DO ARTIGO 1.911 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 .
INSURGÊNCIA DA AUTORA.
Quaestio Iuris: Cinge-se a controvérsia em definir a interpretação jurídica a ser dada ao caput do art. 1.911 do Código Civil de 2002 diante da nítida limitação ao pleno direito de propriedade, para definir se a aposição da cláusula de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade em ato de liberalidade importa automaticamente, ou não, na cláusula de inalienabilidade.
1. A exegese do caput do art. 1.911 do Código Civil de 2002 conduz ao entendimento de que: a) há possibilidade de imposição autônoma das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, a critério do doador/instituidor; b) uma vez aposto o gravame da inalienabilidade, pressupõe-se, ex vi lege, automaticamente, a impenhorabilidade e a incomunicabilidade; c) a inserção exclusiva da proibição de não penhorar e/ou não comunicar não gera a presunção do ônus da inalienabilidade; e d) a instituição autônoma da impenhorabilidade, por si só, não pressupõe a incomunicabilidade e vice-versa.
2. Caso concreto: deve ser acolhida a pretensão recursal veiculada no apelo extremo para, julgando procedente o pedido inicial, autorizar o cancelamento dos gravames, considerando que não há que se falar em inalienabilidade do imóvel gravado exclusivamente com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade.
3. Recurso especial provido.
(REsp 1155547/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 09/11/2018)

Portanto, caso o Cartório de sua cidade vede a transferência de bens imóveis em razão da aposição aos mesmos de cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, busque os serviços de um advogado para análise e emissão de parecer acerca da situação.

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