Cobrança abusiva de hospital a paciente com plano de saúde.

A questão colocada a desate no presente artigo diz consiste na análise da responsabilidade do paciente pelos débitos hospitalares de materiais e procedimentos cuja cobertura foi negada pelo plano de saúde.

É muito comum, na prática forense, a situação do paciente que é notificado, pelo hospital ou por empresas de cobrança, a realizar pagamentos de débitos gerados durante o seu período de estada no hospital. Os hospitais, de sua vez, alegam que os débitos são imputáveis aos pacientes, já que o plano de saúde se recusou a cobrir o quanto solicitado.

Inicialmente, cumpre notar que tanto a relação do paciente com o hospital, como a relação do beneficiário com o plano de saúde, estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor. Este Código garante direitos básicos dos consumidores, notadamente a proteção da vida, saúde e segurança, a proteção contra métodos comerciais coercitivos ou desleais, cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (inciso I, IV do art. 6º da Lei 8.078).

O CDC estabelece um rol exemplificativo de práticas abusivas em seu art. 39, ao elencar como sendo “vedado ao fornecedor de produtos ou serviços dentre outras práticas abusivas”, a execução de serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, bem como prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.

Ou seja, do ponto de vista moral, ético, e inclusive legal, constitui prática abusiva a conduta de valer-se de um estado de doença para praticar cobranças abusivas e ilegais em face do consumidor, o que afastaria, por si só, a validade da cobrança de débitos hospitalares imputados aos enfermos no momento de sua admissão em hospital.

Abutre-real: características, reprodução, alimentação e habitat | Pássaros

Sucede, entretanto, que do ponto de vista prático, os hospitais seguem efetuando cobranças abusivas em face de consumidores, sob o vazio argumento de que o plano de saúde negou o tratamento e que o hospital não poderia arcar com os custos do procedimento.

Do ponto de vista jurisprudencial, a questão não apresenta maiores complexidades, já que os tribunais vem assentando com certa harmonia a responsabilidade do plano de saúde pelas despesas hospitalares do paciente enfermo.

Veja-se:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. NÃO CONFIGURADA. HOSPITAL. COBRANÇA INDEVIDA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DANO MORAL CONFIGURADO. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. Tem legitimidade passiva para a ação declaratória de inexistência de débito c/c compensação por danos morais, o hospital que realizou o procedimento médico com a autorização do plano de saúde e depois cobrou o ressarcimento das despesas ao paciente. Para que o dano moral seja reconhecido, é indispensável a demonstração de fato apto a abalar a saúde emocional da pessoa. In casu, revela-se abusiva a conduta da primeira requerida em realizar a cobrança do procedimento cirúrgico quando tinha ciência de que o autor era beneficiário do plano de saúde. Os juros de mora decorrentes de compensação por danos morais incidem a partir do evento danoso, em atenção ao enunciado 54 da súmula do STJ.

(TJ-DF 20160110614298 0003551-91.2015.8.07.0001, Relator: CARMELITA BRASIL, Data de Julgamento: 27/07/2016, 2ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 01/08/2016 . Pág.: 146/177)

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COBRANÇA DA USUÁRIA PELO HOSPITAL POR DESPESAS DE TRATAMENTO E MEDICAÇÃO. NEGATIVA DE COBERTURA DO CONVÊNIO POR ERRO DE PROCEDIMENTO DO HOSPITAL. COBRANÇA INDEVIDA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE HOSPITAL E PLANO DE SAÚDE. RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. 1. Trata-se de ação de indenização proposta pela recorrida em face das recorrentes, na qual a sentença julgou parcialmente procedente o pedido para condená-las ao pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil) a título de danos morais. 2. O hospital e a seguradora ofertaram recursos inominados regulares e tempestivos. As contrarrazões foram apresentadas (id 16391435). 3. Em seu recurso, o hospital defende não haver qualquer nexo de causalidade que possa relacionar sua conduta aos fatos narrados na inicial, afirmando que os argumentos da autora, ora recorrida, têm como fundamento fático a negativa de cobertura pelo plano de saúde, isentando-se de qualquer responsabilidade. Relata, ainda, que os serviços médicos, os quais se fizeram necessários, foram efetivamente prestados à recorrida e, tendo em vista a negativa de cobertura do convênio de saúde, a cobrança foi legitimamente direcionada para a parte recorrida. Assim, pugna pelo provimento do recurso e reforma da sentença de mérito para que seja julgado improcedente o pedido inicial. 4. Por sua vez, a seguradora, em suas razões recursais, sustenta que a inscrição indevida foi realizada por culpa exclusiva de terceira pessoa, no caso o Hospital, ora recorrente, tendo em vista que ao exame de tomografia e ao medicamente utilizado não foram dados a qualificação de procedimentos urgentes, o que gerou a cobrança em virtude do período de carência. 4. Trata-se de relação de consumo porquanto as partes enquadram-se nos conceitos de consumidor e fornecedor nos termos do artigo 2º e 3º do Código do Consumidor. 5. Na inicial, a autora/recorrida, usuária do plano de saúde CAIXA SEGURADORA, narrou que em dezembro de 2015 precisou de atendimento emergencial no Hospital, ora recorrente, o qual a diagnosticou com infecção urinária. Afirmou que na ocasião nenhuma informação sobre custos de procedimentos, exames, e/ou internação lhe foi repassada, uma vez que seriam arcados pelo plano de saúde, que autorizou o atendimento de emergência e o uso de medicação. Não obstante, seis meses depois o hospital passou a lhe cobrar as despesas médicas no valor de R$ 1.449,46 (um mil, quatrocentos e quarenta e nove reais e quarenta e seis centavos), posto que o plano de saúde não havia autorizado o pagamento dos custos. Em razão do não pagamento, no dia 23 de fevereiro de 2017, o hospital recorrente promoveu a inscrição da recorrida no sistema de proteção ao crédito SERASA, retirando seu nome apenas no dia 19 de agosto de 2019, após o pagamento pela seguradora. 6. O plano de saúde reconheceu sua responsabilidade pela cobertura das despesas médicas decorrentes do atendimento emergencial da recorrida, mas confirmou que o pagamento ao Hospital não foi efetuado pelo fato de o requerimento do hospital ter sido realizado como despesa eletiva e, portanto, estava fora da cobertura em virtude do período de carência vigente à data do atendimento. 7. Do cotejo dos autos, observa-se que o impasse entre o hospital e a seguradora cinge-se à qualificação dada ao procedimento que a recorrida obteve no hospital recorrente. Trata-se de questão meramente burocrática e cerne da controvérsia, o que gerou direcionamento da cobrança das despesas hospitalares para a autora/recorrida. Desse modo, a cobrança afigura-se como irregular e indevida, de modo que caracterizado o abuso de direito pelo hospital e descaso pelo Plano de Saúde para com a usuária, eis que de fácil solução a questão. 8. Com efeito, no tocante à recorrida, tal situação certamente gerou sentimentos negativos como insegurança, acarretou desrespeito ao consumidor, notadamente em razão da carta que lhe foi enviada avisando sobre a inscrição de seu nome perante o serviço de proteção ao crédito (ID 16391128), assim como a inscrição indevida do seu nome no órgão de proteção ao crédito – SPC (id 16391131), violando claramente os seus direitos da personalidade e, de consequência, configurando danos morais in re ipsa, conforme entendimento jurisprudencial já pacificado no TJDFT e no STJ. 9. Portanto assiste razão à recorrida quanto ao pleito de indenização em danos morais decorrentes da cobrança e inscrição no órgão de proteção ao crédito – SPC indevidas pelo hospital, notadamente pelo fato de erro de procedimento, e pela segurada, dado que foi realizado um procedimento médico de urgência e, mesmo que não fosse, já estava coberto pelo período de carência, pois havia realizado uma migração de plano e os prazos são distintos daqueles que resolvem contratar o seguro de forma primária. Diante desse contexto, a sentença deve ser mantida na íntegra. 10. Na seara da fixação do valor da indenização devida, deve-se levar em consideração as circunstâncias do fato, a gravidade do dano, a capacidade econômica das partes, o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. Também não se pode deixar de lado a função pedagógico-reparadora do dano moral consubstanciada em impingir a ré uma sanção bastante a fim de que não retorne a praticar os mesmos atos, contudo, a reparação não pode se tornar uma forma de enriquecimento sem causa. Nesse passo, o montante fixado no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) se mostra em harmonia com os direcionamentos apontados e com princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 11. RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 12. Condeno as recorrentes vencidas ao pagamento de custas e honorários advocatícios em favor do patrono da recorrida, fixados em 10% sobre o valor da condenação. 13 Acórdão elaborado nos termos do art. 46 da lei n. 9099/95.

(TJ-DF 07097746520198070005 DF 0709774-65.2019.8.07.0005, Relator: ARNALDO CORRÊA SILVA, Data de Julgamento: 20/07/2020, Segunda Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 30/07/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Além da responsabilidade do plano de saúde pelos débitos impostos ao consumidor, é de bom alvitre destacar que este consumidor faz jus a uma reparação moral pelos morais ocasionados, como a angústia, a humilhação de ser considerado inadimplente bem como a lesão proveniente de subsequentes ligações de empresas de cobrança.

A solução proposta.

A solução ideal demanda análise de documentos inerentes ao caso concreto. Entretanto, é possível sugerir uma ação judicial em face do plano de saúde e do hospital, com o objetivo de questionar a legalidade do débito.

Caso o consumidor, de sua vez, tenha efetuado o pagamento de forma equivocada, também possuirá direito à restituição de valores, em face da entidade hospitalar.

 

Quem é o Dias Ribeiro Advocacia?

O Dias Ribeiro Advocacia é um escritório de advocacia especializado em ações contra planos de saúde. Nos aperfeiçoamos diariamente para prestar o melhor serviço jurídico na tutela do direito à saúde de milhares de beneficiários de plano de saúde.

Se ficou com alguma dúvida, você pode retirá-la mandando para o nosso e-mail ribeiro@diasribeiroadvocacia.com.br.

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*
*