Muito se discute sobre o coronavírus, seus impactos na saúde pública, privada e as consequências que a disseminação da doença podem causar.
Este artigo tem por propósito informar você acerca de seus direitos em caso de contaminação por coronavírus. É fundamental dividir a análise em duas partes: o caso dos cidadãos que são beneficiários de planos de saúde, e uma segunda parte, dedicada aos cidadãos que fazem uso do sistema público de saúde (SUS).
Sou beneficiário de plano de saúde. Quais meus direitos?
Inicilamente, é oportuno salientar que é obrigatório a cobertura do tratamento do coronavírus pelos planos de saúde.
A teor do artigo 10 da Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), as operadoras de planos de saúde são obrigadas ao custeio de todas as doenças classificadas no rol estatístico internacional de doenças da OMS (Organização Mundial de Saúde), ressalvadas as exclusões contratuais expressas, e desde que estas não vulnerem a finalidade básica do contrato, que é a preservação da saúde do beneficiário.
Fonte da imagem: Associação dos Municípios Alagoanos (AMA). Disponível em: <https://ama-al.com.br/wp-content/uploads/2020/02/Imagem-50c5217cdd9b68e6757b6e8e0abf748d.png>
Dessa forma, existindo relatório médico fundamentado acerca da necessidade de tratamento específico para o coronavírus, de natureza não experimental, passa a ser abusiva a negativa do plano de saúde, pois o coronavírus é doença classificada no rol estatístico internacional de doenças da OMS.
É conveniente a referência a enunciados sumulares do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.
Súmula 95: Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.
Súmula 96: Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento.
Logo, havendo negativa de internamento, de tratamento, ou mesmo de exames para detecção do coronavírus, os direitos do beneficiário do plano de saúde podem ser resguardados, mediante o ajuizamento da ação judicial cabível e representação da operadora de plano de saúde perante a ANS.
É relevante destacar, inclusive, que de forma recente a ANS incluiu o exame para detecção do coronavírus no Rol de Procedimentos Obrigatórios dos planos de saúde.
Isso significa que é incontroverso o direito do beneficiário ao custeio do exame para detecção do coronavírus.
Importante ainda é destacar que ainda que não constasse no rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, a cobertura do tratamento do coronavírus seria obrigatória. Veja-se o seguinte entendimento jurisprudencial:
APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUTORIZAÇÃO E CUSTEIO DE TRATAMENTO CIRÚRGICO DE GASTROPLASTIA POR VIDEOLAPAROSCOPIA. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DA RÉ. OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE QUE AUTORIZA O PROCEDIMENTO CIRÚRGICO (VIA ABERTA), RECONHECENDO A OBESIDADE MÓRBIDA DO PACIENTE, PORÉM, PRETENDE INTERFERIR/LIMITAR A TÉCNICA ESCOLHIDA PELO MÉDICO ASSISTENTE (POR VÍDEO), SOB A ALEGAÇÃO DE QUE O PROCEDIMENTO NÃO ESTÁ INSERIDO NO ROL DE PROCEDIMENTOS CONSTANTE NAS COBERTURA MÍNIMAS DA AGÊNCIA NACIONAL DA SAÚDE. INSUBSISTÊNCIA. UMA VEZ PREVISTA A PATOLOGIA NA LISTA DE CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS COM A SAÚDE (CID), INCLUSIVE COM PREVISÃO DE COBERTURA CIRÚRGICA PELA AGÊNCIA NACIONAL DA SAÚDE (AINDA QUE CONVENCIONAL), NÃO CABE A OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE RESTRINGIR O TRATAMENTO QUE O MÉDICO ASSISTENTE ENTENDER ADEQUADO AO QUADRO DO PACIENTE. LISTAGEM DE COBERTURAS MÍNIMAS A SEREM OFERECIDAS PELAS OPERADORAS DE SAÚDE. REGULAMENTO QUE NÃO DESINCUMBE A RÉ DA OBRIGAÇÃO DE CUSTEIO DA TERAPIA, SOBRETUDO PORQUE HÁ PREVISÃO CONTRATUAL DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE NA ESPECIALIDADE DE GASTROPLASTIA CONVENCIONAL TANTO QUE AUTORIZOU O PROCEDIMENTO DESSA MANEIRA. ADEMAIS, AUSÊNCIA DE EXCLUSÃO EXPRESSA DE PROCEDIMENTOS POR VIDEOLAPAROSCOPIA. CLÁUSULA GENÉRICA, QUE REMETE A ROL DA ANS QUE NÃO INFORMA DE FORMA CLARA E INEQUÍVOCA AO CONSUMIDOR SOBRE A EXCLUSÃO DE COBERTURA. CONTRARIEDADE AO ART. 54, § 4º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COBERTURA EVIDENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. “A finalidade essencial do plano de saúde é cobrir os custos dos tratamentos previstos contratualmente; assim, as limitações ou questionamentos impostos sobre o tipo de tratamento a ser utilizado refoge desta essência e merece total reproche do Poder Judiciário. ‘A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma delas’ (STJ, AgRg no AREsp n. 450270/RS, rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. em 25-2-2014, DJe 17-3-2014). […]” (Apelação Cível n. 2016.000105-6, de São Francisco do Sul, da Terceira Câmara de Direito Civil, rel. Des. Fernando Carioni, j. 1º-3-2016).(TJ-SC – AC: 00016776420118240025 Gaspar 0001677-64.2011.8.24.0025, Relator: Rubens Schulz, Data de Julgamento: 25/05/2017, Segunda Câmara de Direito Civil)
Doutor, não tenho plano de saúde, como devo proceder?
Caso você não tenha plano de saúde, é importante ressaltar que todo o tratamento deverá ser assegurado pelo sistema único de saúde.
Isto porque a saúde é direito fundamental de todo ser humano, previsto constitucionalmente, sendo igualmente assegurada a preservação da dignidade da pessoa humana como fundamento da república federativa do Brasil (art. 1º, III, da Constituição Federal). Veja-se, ademais, o que diz a Constituição Federal:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Neste contexto, nas hipóteses em que faltam leitos, a jurisprudência vem permitindo o internamento em hospital privado, nos seguintes termos:
CONSTITUCIONAL – PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – INTERNAÇÃO EM HOSPITAL P ARTICULAR – AUSÊNCIA DE LEITO EM UTI DE HOSPITAL DA REDE PÚBLICA – DIREIT0 À VIDA E À SAÚDE – DEVER DO ESTADO. A SAÚDE CONSTITUI DIREITO FUNDAMENTAL INERENTE A TODO SER HUMANO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 196 DA CF E 204 E 207, II, DA LODF. COMPROVADA A GRAVIDADE DO ESTADO DE SAÚDE DO IMPETRANTE E A NECESSIDADE DE SUBMETER-SE AOS PROCEDIMENTOS REQUERIDOS, MOSTRA-SE ADEQUADA A VIA DO MANDADO DE SEGURANÇA. SE A INTERNAÇÃO EM HOSPITAL P ARTICULAR DECORREU DA COMPROVADA INEXISTÊNCIA DE LEITO NA REDE PÚBLICA, A CONCESSÃO INTEGRAL DA SEGURANÇA NOS TERMOS FORMULADOS NA INICIAL, É MEDIDA QUE SE IMPÕE.(TJ-DF – MS: 110480920088070000 DF 0011048-09.2008.807.0000, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, Data de Julgamento: 03/03/2009, Conselho Especial, Data de Publicação: 12/06/2009, DJ-e Pág. 8)
O fundamento do custeio do tratamento do coronavírus na rede privada deriva de determinação legal contida na Lei 8.080/90, a Lei do SUS. Veja-se o que diz o artigo 24 do referido diploma:
Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.
Logo, em caso de ausência de disponibilidade de leitos para garantia da cobertura assistencial à população, é possível a judicialização de ação judicial para garantir de forma plena o acesso ao tratamento.
Assim, se você não tem plano de saúde, mas precisa do tratamento, busque a garantia plena do tratamento pelo SUS, inclusive por meio de ações judiciais, se necessário, sempre observando a orientação jurídica que o caso requer.
Doutor, não tenho como contratar um advogado.
Se o cidadão não dispor de recursos, é ainda possível a busca pela Defensoria Pública da União. Enquanto escritório particular, alertamos que a defensoria enfrenta uma crise por excesso de processos. Portanto, apenas utilize esta opção se for estritamente necessário.
O tema foi bem abordado no sitio eletrônico do IPOG. Veja-se:
“O paciente pode recorrer à justiça por meio da Defensoria Pública da União que oferece assistência jurídica e gratuita para pessoas com renda familiar de até R$2.000,00 de acordo com a Resolução CSDPU n°134/2017. Para famílias com seis ou mais integrantes é aceita a renda familiar bruta de até quatro salários mínimos, conforme a Resolução CSDPU 85/2014. Para isso é necessário:
- Comprovar que não tem condições financeiras dentro dos parâmetros citados acima e precisa do auxílio da Defensoria Pública da União. Além disso, é preciso ter em mãos os documentos pessoais.
- Entregar para a Defensoria Pública da União documentos, laudos, exames e prontuário que comprovam a gravidade da doença, risco de vida, urgência da necessidade da vaga na UTI e as consequências caso o leito não for concedido;
- Se o paciente for idoso, é possível requerer prioridade na tramitação da liminar;
Muitos pacientes não sabem como agir em caso de negação de vaga na UTI e precisam ser informados para conseguir o seu direito à saúde. Profissionais da saúde, do Direito e toda a população que detém desse conhecimento tem o importante papel de informar.”
Caso você ou seu familiar não tenha plano de saúde, o ideal é a busca por um profissional do direito para análise e solução do caso. É conveniente destacar que a saúde deve ser a prioriedade máxima de todas as sociedades.