COVID-19 e Planos de Saúde: conheça os seus direitos
Vivenciamos desde o início do ano um cenário sanitário absolutamente atípico (em razão do COVID-19) que, como não poderia ser diferente, traz muitas dúvidas e incertezas, dividindo mesmo a opinião de especialistas. Para além de todas as medidas de prevenção, quarentenas, isolamento e tudo o mais que configura o que se tem chamado “novo normal”, a preocupação primeira em um cenário de pandemia não poderia ser outra se não o acesso aos serviços de saúde.
Nesse sentido, são muitas as controvérsias que rondam a atuação dos Planos de Saúde nos últimos meses: o que eles devem ou não cobrir? Uma doença nova está abarcada pelo contrato securitário? Que tipos de tratamentos devem oferecer? Apesar de ainda muito indefinidas, todas essas questões vêm chegando aos poucos ao Judiciário e assim, à medida em que decisões são tomadas, são encontrados contornos mais claros.
Sabendo que o cenário é ainda muito novo e, portanto, sujeito a mudanças, vejamos como se apresenta o cenário, sob um ponto de vista jurídico, até o momento.
Quais as obrigações de um Plano de Saúde?
O Plano de Saúde é um contrato regido prioritariamente pelos Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, Lei dos Planos de Saúde e resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Uma vez firmado este contrato, a empresa do Plano compromete-se a, mediante o pagamento de uma mensalidade por parte do usuário, responsabilizar-se pelo pagamento (seja através de reembolso ou de pagamento direto aos hospitais e clínicas credenciados) de determinadas despesas médico-hospitalares do usuário junto ao sistema privado de saúde. Tais despesas são estabelecidas em contrato, mas delimitadas por uma cobertura mínima obrigatória definida pela ANS na Resolução Normativa nº 428/2017 e anexos, de acordo com a segmentação do Plano (plano-referência, hospitalar, ambulatorial etc).
O que mudou durante a pandemia?
Os contratos de Plano de Saúde não sofreram alterações com a pandemia do COVID-19. Mas desde o começo da crise sanitária, questiona-se se os procedimentos referentes a diagnóstico e tratamento da Covid-19 deveriam ou não ser assegurados pelos Planos. Leva-se em consideração se estariam ou não previstos pelos contratos e resoluções da ANS, mas também se caberia ao Sistema de Saúde Suplementar, isto é, à rede privada de saúde, arcar com as consequências da epidemia.
Neste sentido, buscando trazer alguma segurança e uniformidade ao assunto, a ANS elaborou as RN nº 453/2020 e 457/2020 alterando a RN nº 428/2017 para incluir alguns dos exames utilizados no diagnóstico do coronavírus no rol de procedimentos abarcados pela cobertura mínima, a exemplo do teste SARS-CoV-2 – pesquisa por RT – PCR (ou simplesmente PCR, como se popularizou).
A este respeito, a Agência vem se posicionando no sentido de que é preciso ter cautela a fim de não transferir para o Sistema de Saúde Suplementar os encargos que, no seu entender, competem ao Sistema de Saúde Público, e ainda tomar as medidas adequadas para evitar uma procura insustentável pelos testes, que são escassos (nesse intuito, por exemplo, a cobertura dos testes ficou condicionada à qualificação do sujeito como “caso suspeito”).
No mais, informa que a inclusão de quaisquer procedimentos ao conjunto mínimo obrigatório deve ser precedida de análise técnica e criteriosa de sua efetividade e viabilidade. Evita-se a inclusão precipitada de procedimentos à lista de procedimentos obrigatórios a fim de preservar a operacionalidade do setor regulado e também a saúde e segurança dos usuários.
Objetivamente, quais são os seus direitos?
Dada a atualidade da questão, ainda não há decisões definitivas sobre o tema, de modo que pode ser precipitado afirmar que há sem sombra de dúvidas este ou aquele direito. De qualquer sorte, não são poucas as decisões em primeira e segunda instâncias favoráveis ao usuário do plano de saúde, no que toca a este assunto.
O TJ-SP, por exemplo, decidiu em 14 de julho deste ano pela manutenção da decisão liminar proferida no Processo nº 1001245-19.2020.8.26.0296, ainda pendente de julgamento definitivo, pela obrigatoriedade de cobertura do exame PCR para detectar o vírus em caso de suspeita de contágio. No caso, interpretou-se a RN nº 428/2017, alterada pela RN nº 453/2020 da ANS, de modo a entender que a solicitação do exame formalizada por um médico seria bastante para comprovar sua necessidade, sem perder de vista que, nos termos da RN e das diretrizes do Ministério da Saúde, o procedimento não deve ser realizado irrestritamente.
Por outro lado, em relação aos testes sorológicos IgG e IgM, a decisão liminar proferida pela 6ª Vara Federal de Pernambuco no bojo da Ação Civil Pública n° 0810140-15.2020.4.05.8300, que determinava a cobertura também destes exames, foi “derrubada” pelo TRF-5, tribunal de segunda instância. Na decisão, o Desembargador Federal Leonardo Carvalho destacou que a decisão não diz respeito ao SUS, mas ao Sistema de Saúde Suplementar regulado pela ANS, merecendo “deferência” a postura da Agência que, seguindo critérios técnicos, incluiu na lista de procedimentos mínimos obrigatórios o PCR e outros testes aptos a auxiliar o mapeamento da epidemia.
A suspensão da liminar resultou também na suspensão da RN nº 428/2020, que incluía provisoriamente os procedimentos citados dentre os obrigatórios, sendo certo que até o presente momento não há obrigação dos Planos de Saúde de oferecer cobertura a eles. Cumpre ressaltar, no entanto, que a mencionada ACP ainda tramita na Justiça Federal, sendo possível, portanto, que haja uma mudança no entendimento do judiciário, reafirmando ou revertendo a inexistência da obrigação.
Quanto ao tratamento propriamente dito da enfermidade, a situação é menos controversa. Os procedimentos utilizados já faziam parte da rotina dos hospitais, de modo que já estavam previstos nos contratos individuais ou nas resoluções da ANS. Nesse sentido, a reguladora explica:
os planos de saúde já têm cobertura obrigatória para consultas, internações, terapias e exames que podem ser empregados no tratamento de problemas causados pelo Coronavírus (Covid-19). É importante esclarecer que o consumidor tem que estar atento à segmentação assistencial de seu plano: o ambulatorial dá direito a consultas, exames e terapias; o hospitalar dá direito a internação.[1]
A esse respeito, ainda, a jurisprudência do STJ já estava há muito consolidada no sentido de que negar um tratamento indicado pelo médico é conduta abusiva, não cabendo à seguradora interferir na escolha do procedimento adequado, nem mesmo sob justificativa de exclusão do contrato, em respeito ao direito à saúde. Nos termos do informativo nº 0420 deste Tribunal:
Cabe apenas ao médico que acompanha o caso estabelecer o tratamento adequado para obter a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade do paciente. Não cabe à seguradora limitar as alternativas para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor. O interesse patrimonial da seguradora de obtenção de lucro deve ser resguardado, por se tratar de um direito que lhe assiste, desde que devidamente prestado o serviço ao qual se obrigou, isto é, desde que receba o segurado o tratamento adequado com o procedimento médico ou cirúrgico necessário, que garanta sua saúde por inteiro.
Por fim, em relação aos tratamentos não relacionados à pandemia, não há motivo para preocupação: o usuário do plano de saúde continua tendo direito à cobertura dos mesmos procedimentos médico-hospitalares que tinha antes. Mesmo a dilatação dos prazos máximos para prestação de determinados atendimentos, que vigorou no início da crise, já foi encerrada, voltando a valer os prazos originais previstos na RN nº 259/2011[2], cabendo aos operadores justificar adequadamente eventuais atrasos na prestação dos serviços[3].
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Artigo escrito por Letícia Pinheiro Soares.
[1] http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/coronavirus-covid-19/coronavirus-todas-as-noticias/5405-ans-inclui-exame-para-deteccao-de-coronavirus-no-rol-de-procedimentos-obrigatorios
[2] http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MTc1OA==
[3] http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/coronavirus-covid-19/coronavirus-todas-as-noticias/5576-ans-restabelece-prazos-maximos-de-atendimento-da-rn-n-259