Cobertura e Acesso à Hemodiálise no Plano de Saúde
Inicialmente, vamos analisar o dever dos planos de saúde de custear a hemodiálise, fundamentado nas normas da ANS e na jurisprudência. Em seguida, detalharemos aspectos essenciais para orientar pacientes, médicos e operadores do direito.
1. O plano de saúde deve cobrir a Hemodiálise?
Sim. A RN 465/2021 da ANS inclui a hemodiálise de curta e longa permanência no Rol de Procedimentos, o que torna obrigatória sua cobertura pelos planos contratados no Brasil. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a taxatividade do rol não se sobrepõe ao direito à vida, sobretudo quando há prescrição médica fundamentada. Por conseguinte, os planos não podem recusar ou impor exigências infundadas quando o nefrologista comprova, por laudos, a insuficiência renal crônica ou aguda que exige diálise.
2. Para que serve a Hemodiálise?
A hemodiálise substitui a função renal em pacientes com doença renal crônica em estágio avançado ou insuficiência renal aguda, removendo toxinas como ureia, excesso de líquidos e eletrólitos do organismo. Por meio de um dialisador, o sangue percorre um circuito extracorpóreo, sofre filtração e retorna ao paciente, mantendo o equilíbrio hidroeletrolítico e prevenindo complicações graves, como edema pulmonar e encefalopatia urêmica. Consequentemente, esse procedimento prolonga a sobrevida e melhora a qualidade de vida, permitindo que o portador de insuficiência renal seja reintegrado às suas atividades cotidianas com segurança.
3. Quanto custa a Hemodiálise?
De acordo com levantamento da Sociedade Brasileira de Nefrologia, o custo operacional real de cada sessão de hemodiálise no país gira em torno de R$ 343, sem considerar tributos. Entretanto, o SUS remunera aproximadamente R$ 240,97 por sessão, gerando uma defasagem que supera 38%. Levando em conta a frequência padrão de três sessões semanais, o gasto mensal ultrapassa R$ 4.000. Logo, a cobertura integral pelo plano de saúde revela-se imprescindível para garantir a continuidade e a qualidade do tratamento, evitando que o paciente sofra interrupções ou barreiras financeiras.
4. O que fazer diante da negativa do tratamento?
Primeiro, solicite por escrito a justificativa da recusa; esse documento servirá como prova essencial. Em seguida, reúna a prescrição médica detalhada, laudos de nefrologista e resultados de exames de função renal — como creatinina e taxa de filtração glomerular (TFG). Com toda a documentação em mãos, protocole reclamação na ouvidoria do plano e, simultaneamente, providencie a propositura de ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência. Dessa forma, o juiz avalia o risco à saúde e, frequentemente, determina a autorização imediata das sessões, tendo em vista o perigo de dano irreparável.
5. O tratamento com a Hemodiálise é considerado domiciliar?
Embora a modalidade mais comum de hemodiálise ocorra em clínicas especializadas, a hemodiálise domiciliar representa alternativa clinicamente indicada para pacientes capacitados e acompanhados por equipe especializada. Nessa hipótese, o plano deve fornecer a bomba de hemodiálise, o dialisador e todo o insumo necessário, além de treinar o paciente ou o cuidador responsável. Assim, não importa o ambiente onde o tratamento ocorra: a obrigação contratual de custear permanece a mesma, conforme entendimento reiterado dos tribunais. Portanto, sempre que o médico nefrologista apontar indicação domiciliar, o plano não pode impor restrições ou exigir reembolso.
6. A Hemodiálise deve ser coberta pelo SUS?
Sim. O SUS adota a hemodiálise como modalidade de Terapia Renal Substitutiva, conforme Portaria 389/2014 do Ministério da Saúde. Para tanto, o paciente precisa apresentar prescrição médica e exames em uma unidade básica de saúde ou serviço especializado, que, por meio da regulação regional, agendará as sessões em clínica credenciada, sem custo ao usuário. Além disso, o beneficiário pode acompanhar o processo por telefone ou presencialmente, garantindo que não haja atrasos que coloquem sua saúde em risco.
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7. O plano de saúde pode me oferecer outro tratamento no lugar da Hemodiálise?
Não. A escolha da modalidade de terapia renal substitutiva cabe exclusivamente ao médico nefrologista, que avalia o perfil clínico do paciente e indica o protocolo mais adequado — seja hemodiálise, diálise peritoneal ou outro procedimento reconhecido. Se o plano tentar substituir a hemodiálise por tratamento não previsto ou menos eficaz, o beneficiário deve formalizar reclamação à ANS e recorrer ao Judiciário, pois tal conduta viola o princípio contratual da “boa-fé objetiva” e o direito fundamental à saúde.
8. Quando é possível obter o fornecimento do tratamento na Justiça?
Sempre que o plano ou o SUS negar cobertura da hemodiálise, mesmo diante de prescrição médica fundamentada, o paciente pode ingressar com ação de obrigação de fazer. Para tanto, deve instruir a petição inicial com:
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Prescrição médica específica para hemodiálise;
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Laudos e exames que comprovem a gravidade da insuficiência renal;
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Cópia da negativa por escrito fornecida pelo plano ou órgão de regulação do SUS.
Dessa maneira, o juiz enxerga a urgência e concede a tutela de urgência para autorizar o tratamento, sob pena de multa diária, até o julgamento final.
9. É possível obter uma liminar para conseguir a Hemodiálise?
Sim. Dado o potencial dano irreparável decorrente da interrupção da hemodiálise, a liminar — ou tutela de urgência — revela-se medida eficaz e veloz. Assim, o magistrado, ao constatar a documentação completa e o risco de morte ou complicação grave, determina que o plano autorize as sessões em até 48 horas. Em razão desse fundamento, inclusive, os juízes têm se posicionado de forma unânime para evitar lacunas no tratamento e preservar a vida do paciente.
Veja-se os seguintes julgados:
EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA JULGADA PROCEDENTE. PLANO DE SÁUDE. NEGATIVA INJUSTIFICADA DE COBERTURA DE TRATAMENTO DE HEMODIÁLISE . PACIENTE PORTADORA DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA TERMINAL. NECESSIDADE DE REALIZAR SESSÕES SEMANAIS DE HEMODIÁLISE, INDICADAS EM RELATÓRIO MÉDICO. ABUSIVIDADE RECONHECIDA. RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADA . DANO MORAL. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO, FIXADO EM R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). PATAMAR ADOTADO PELO TJBA EM DEMANDAS ANÁLOGAS . SENTENÇA MANTIDA. APELO IMPROVIDO. I A Apelada é beneficiária do Plano de Saúde UNIMED, estando adimplente com as mensalidades. Por sofrer de insuficiência renal crônica terminal, teve indicação médica de realizar três sessões semanais de hemodiálise, com quatro horas de duração cada uma, nos termos do relatório médico de fl . 12, subscrito pelo nefrologista que a acompanha. Ao tentar realizar o tratamento ,todavia, injustificadamente, não obteve autorização do Plano de Saúde. II Abusividade reconhecida na negativa. Afronta aos princípios norteadores das relações de consumo, mormente os da boa-fé objetiva, da confiança, da informação e da transparência, razão pela qual é inequívoca a configuração da responsabilidade civil da Apelante . III Comprovada a ilicitude na conduta perpetrada pela operadora de saúde, que causou sofrimento à Apelada, mostra-se indispensável a reparação pelos danos morais suportados. O montante fixado na sentença, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), é adequado e razoável, além de estar de acordo com o patamar adotado por esta Corte de Justiça em situações análogas. IV- Sentença mantida . RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E IMPROVIDO.
(TJ-BA – APL: 03143655120128050001, Relator.: CARMEM LUCIA SANTOS PINHEIRO, QUINTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/07/2019)
E ainda:
PROCESSUAL CIVIL. CONTRATOS. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE . NEGATIVA DE COBERTURA. HEMODIÁLISE E OXIGENOTERAPIA. ABUSO. DANOS MORAIS . DIMINUIÇÃO. REEXAME DE CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA . 1. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmulas n. 5 e 7 do STJ). 2 . O Tribunal de origem, com base em normas do CDC, considerou indevida a negativa de cobertura para tratamento de hemodiálise e oxigenoterapia, porque “a seguradora sequer menciona suposta cláusula contratual de exclusão dos tratamentos solicitados”, e porque eventual cláusula seria “nula de pleno direito, uma vez que acaba por restringir direito inerente à natureza do contrato, qual seja, preservação da vida do segurado, o que fere o princípio da vulnerabilidade contido no Código de Defesa do Consumidor” (e-STJ fls. 278/279). 3. Rever a conclusão da Corte de origem quanto à existência de dano moral decorrente da gravidade do fato, bem como em relação à alegada licitude da negativa de cobertura, exigiria o reexame dos fatos e das provas dos autos, bem como nova interpretação dos termos pactuados, o que esbarra nas Súmulas n . 5 e 7 o STJ. 4. “Esta Corte Superior possui pacífica jurisprudência, no sentido de que, mesmo em se tratando de planos e seguros privados de assistência à saúde celebrados antes da vigência da Lei 9.656/98 (e não adaptados ao novel regime), as controvérsias jurídicas instauradas entre operadoras e usuários são solucionadas à luz do Código de Defesa do Consumidor, o qual alcança, inclusive, contratos que lhe sejam anteriores, por refletirem obrigações de trato sucessivo” (REsp 2 .005.439/SP, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, decisao publicada em 1º/7/2022). 5. “O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional habilitado na busca da cura . Desse modo, entende-se ser abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento, medicamento ou procedimento imprescindível, prescrito para garantir a saúde ou a vida do beneficiário” ( AgInt no AREsp n. 1.577.124/SP, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 20/4/2020, DJe de 4/5/2020) . 6. “A indenização por danos morais fixada em quantum sintonizado aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não enseja a possibilidade de interposição do recurso especial, dada a necessidade de exame de elementos de ordem fática, cabendo sua revisão apenas em casos de manifesta excessividade ou irrisoriedade do valor arbitrado, o que não se evidencia no presente caso. Incidência da Súmula 7 do STJ”( AgInt no AREsp 1.722 .400/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 17/12/2020). 7. Agravo interno a que se nega provimento .
(STJ – AgInt no REsp: 1963072 SP 2021/0308442-6, Data de Julgamento: 29/08/2022, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/08/2022)
10. Este tipo de ação é causa “ganha”?
Embora o sucesso dependa de cada caso concreto, a jurisprudência brasileira mostra elevada taxa de decisões favoráveis em ações que pleiteiam a hemodiálise. Em regra, os tribunais reconhecem o direito à saúde como cláusula pétrea, baseando-se no princípio da dignidade da pessoa humana e na função social do contrato. Por isso, os advogados especializados em Direito à Saúde obtêm êxito frecuente, sobretudo quando estruturam pedidos claros, sustentados em pareceres técnicos e laudos médicos detalhados.
11. Como provar a necessidade do tratamento? Demora muito?
Para demonstrar a imprescindibilidade da hemodiálise, o paciente deve anexar ao processo:
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Laudo detalhado do nefrologista, contendo diagnóstico, estágio da doença e indicação da hemodiálise;
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Exames laboratoriais recentes — creatinina, TFG, ultrassonografia renal etc.;
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Relatórios de internações ou complicações decorrentes da insuficiência renal;
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Protocolo clínico atualizado que respalde o procedimento.
Com esses documentos, a ação costuma tramitar em 15 a 30 dias judiciais, quando acompanhada de pedido de liminar. Assim, a resposta do Judiciário se mostra célere, considerando a urgência inerente ao caso.
12. Como conseguir a Hemodiálise no SUS?
Para acessar o tratamento no SUS, o paciente deve:
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Apresentar prescrição médica e exames em unidade básica de saúde ou Serviço de Nefrologia;
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Aguardar a regulação regional, que agenda as sessões em clínica credenciada;
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Conferir prazos e, se houver demora, recorrer administrativamente à própria regulação ou à Defensoria Pública.
Dessa forma, o usuário garante a hemodiálise sem custos, salvo eventual necessidade de ação judicial contra o Estado para acelerar o processo.
13. O tratamento com a Hemodiálise é experimental?
De modo algum. A hemodiálise firma-se como técnica consolidada, aprovada pela ANVISA e reconhecida por entidades médicas nacionais e internacionais. Além disso, diretrizes clínicas do SUS e protocolos de sociedades de nefrologia confirmam sua eficácia e segurança. Por isso, qualquer argumento de experimentalidade configura prática abusiva e enseja impugnação administrativa e judicial.
Conclusão
Portanto, diante da prescrição médica e da necessidade comprovada, o paciente renal crônico ou com insuficiência aguda conta com respaldo normativo e jurisprudencial para obter a hemodiálise pelo plano de saúde ou pelo SUS. Ademais, ao reunir documentação completa e adotar medidas administrativas e judiciais, o beneficiário acelera o acesso ao tratamento vital. Por fim, a orientação jurídica especializada amplifica as chances de êxito, assegurando o direito fundamental à saúde e à vida.