O QUE ACONTECE SE A LIMINAR QUE OBRIGOU O PLANO DE SAÚDE A PAGAR O TRATAMENTO FOR REVOGADA?
O presente artigo tem como objetivo elucidar o que ocorre se a liminar (tutela provisória) que obrigou o plano de saúde a arcar com o tratamento for posteriormente revogada, ou seja, o beneficiário precisa ressarcir o plano de saúde? Como deve ser feito esse ressarcimento?
A Tutela Provisória.
Inicialmente, deve-se esclarecer que a chamada “tutela de urgência”, também conhecida como “liminar”, está prevista no artigo 300 do Código de Processo Civil e deve ser concedida nos casos em que houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Assim, é um instrumento muito comum em ações contra planos de saúde, visto que em tais ações há grande perigo de danos à saúde do beneficiário se o tratamento não for concedido e realizado de forma célere.
O juiz, então, por meio de uma análise sumária, ou seja, averiguando as provas e, sem ouvir a parte ré, obriga o plano de saúde a custear o tratamento requerido pelo beneficiário.
Contudo, essa decisão não é irreversível, sendo assim, com a tramitação do processo e produção de provas pelo plano de saúde, essa tutela que foi concedida em caráter de urgência poderá ser revogada.
Surge, assim, o dever do beneficiário de indenizar o plano de saúde pelos gastos dispensados para se efetivar a tutela anteriormente concedida.
Veja, portanto, que o pedido de tutela de urgência deve estar respaldado nos requisitos necessários para que não seja posteriormente revogado, desta forma, é muito importante que o caso seja analisado por um profissional advogado especializado para se evitar futuros problemas com as tutelas de urgência.
O dever de indenizar o plano de saúde
Com a revogação da tutela, o beneficiário deverá indenizar e ressarcir o plano de saúde pelos gastos dispensados na efetivação do tratamento, é o que prevê o art. 302 do CPC/2015:
Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:
I – a sentença lhe for desfavorável;
II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;
III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;
IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.
Vale destacar, ainda, que não há mais a necessidade de discussão de culpa ou má fé por parte do beneficiário para que haja a reparação dos danos causados por uma tutela provisória que depois foi revogada. Refere-se à responsabilidade objetiva, bastando a existência do dano. É nesse sentido que vem decidindo o STJ, veja-se:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO POPULAR. LOCAÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. REITERAÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INTUITO PROTELATÓRIO. MULTA MANTIDA. COISA JULGADA. REVOGAÇÃO POSTERIOR DE LIMINAR DEFERIDA. REPARAÇÃO DE DANO PROCESSUAL. PEDIDO QUE DEVE SER PROCESSADO NOS PRÓPRIOS AUTOS. RESPONSABILIDADE PROCESSUAL OBJETIVA. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO. RECURSO PROVIDO, EM PARTE.
(…) 5. Esta Corte Superior compreende que a obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, dispensando-se, inclusive, pedido da parte interessada. 6. A sentença de improcedência, quando revoga tutela concedida por antecipação, constitui, como efeito secundário, título de certeza da obrigação de o autor indenizar o réu pelos danos eventualmente experimentados, cujo valor exato será posteriormente apurado em liquidação nos próprios autos. Precedente: REsp 1.548.749/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Segunda Seção, DJe 6/6/2016. 7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1.767.956/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Terceira Turma, DJe: 26/10/2018) (g.n.)
Trata-se da “teoria risco-proveito”, uma vez que, se de um lado a obtenção e efetivação da tutela são altamente proveitosas, por outro lado, os riscos pela sua concessão mediante cognição sumária são exclusivamente de quem se aproveitou. NEVES (2018, p. 506)
Logo, é de suma importância a análise dos requisitos para concessão de tutela de urgência por um profissional preparado e habilitado, visto que será de responsabilidade do beneficiário o ressarcimento dos prejuízos ao plano de saúde.
A forma de ressarcimento
Ocorrendo a revogação da tutela e surgindo o dever de indenizar pelo beneficiário, o CPC e a jurisprudência atual dos tribunais são expressos em determinar que essa indenização seja liquidada e cumprida nos próprios autos.
Assim, não é necessário o ajuizamento de ação autônoma para cobrança, além de ser dispensável que na sentença tenha havido a expressa condenação do beneficiário, pois trata-se de obrigação que decorre de lei (ex lege).
Veja-se duas decisões do STJ:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESISTÊNCIA DA DEMANDA APÓS A CONCESSÃO DA TUTELA PROVISÓRIA. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA FORMULADO PELA PARTE RÉ PLEITEANDO O RESSARCIMENTO DOS VALORES DESPENDIDOS EM RAZÃO DO DEFERIMENTO DA TUTELA PROVISÓRIA. CABIMENTO. DESNECESSIDADE DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL PRÉVIO NESSE SENTIDO. OBRIGAÇÃO EX LEGE.
INDENIZAÇÃO QUE DEVERÁ SER LIQUIDADA NOS PRÓPRIOS AUTOS. ARTS. 302, CAPUT, INCISO III E PARÁGRAFO ÚNICO, E 309, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO.
1. A questão jurídica discutida consiste em definir se é possível proceder à execução, nos próprios autos, objetivando o ressarcimento de valores despendidos a título de tutela antecipada, posteriormente revogada em virtude de sentença que extingue o processo, sem resolução de mérito, por haver a autora desistido da ação.
2. O Código de Processo Civil de 2015, seguindo a mesma linha do CPC/1973, adotou a teoria do risco-proveito, ao estabelecer que o beneficiado com o deferimento da tutela provisória deverá arcar com os prejuízos causados à parte adversa, sempre que: i) a sentença lhe for desfavorável; ii) a parte requerente não fornecer meios para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias, caso a tutela seja deferida liminarmente; iii) ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; ou iv) o juiz acolher a decadência ou prescrição da pretensão do autor (CPC/2015, art. 302, caput e incisos I a IV).
3. Em relação à forma de se buscar o ressarcimento dos prejuízos advindos com o deferimento da tutela provisória, o parágrafo único do art. 302 do CPC/2015 é claro ao estabelecer que “a indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível”, dispensando-se, assim, o ajuizamento de ação autônoma para esse fim.
4. Com efeito, a obrigação de indenizar a parte adversa dos prejuízos advindos com o deferimento da tutela provisória posteriormente revogada é decorrência ex lege da sentença de improcedência ou de extinção do feito sem resolução de mérito, como no caso, sendo dispensável, portanto, pronunciamento judicial a esse respeito, devendo o respectivo valor ser liquidado nos próprios autos em que a medida tiver sido concedida, em obediência, inclusive, aos princípios da celeridade e economia processual.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1770124/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 24/05/2019)CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MARCAS E PATENTES. DECISÃO LIMINAR QUE SUSPENDEU A COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTO. POSTERIOR REVOGAÇÃO. ART. 811 DO CPC/73. PREJUÍZOS QUE PODEM SER LIQUIDADOS NOS PRÓPRIOS AUTOS. REPARAÇÃO INTEGRAL. RESPONSABILIDADE PROCESSUAL OBJETIVA. DESNECESSIDADE DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL FIXANDO OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS SOFRIDOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. A obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, dispensando-se, nessa medida, pronunciamento judicial que a imponha de forma expressa.
3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, os danos causados a partir da execução de tutela antecipada suscitam responsabilidade processual objetiva e devem ser integralmente reparados (art. 944 do CC/02) após apurados em procedimento de liquidação levado a efeito nos próprios autos.
4. Recurso especial provido.
(REsp 1780410/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 13/04/2021)
Destaca-se, outrossim, que o Plano de Saúde não deve fazer a cobrança dessa indenização por meio das mensalidades, nem condicionar a continuidade da prestação de serviços à quitação desse pagamento.
Da impossibilidade de suspender a prestação do serviço de assistência à saúde.
Como destacado alhures, a revogação de uma tutela liminar, com posterior execução do título, não pode conduzir à cessação dos serviços de assistência médica do beneficiário do plano de saúde.
Neste sentido, há de se destacar que o beneficiário agiu em exercício regular de direito, pautado em boa-fé, e constitui direito básico do consumidor a revisão de cláusulas contratuais que, em razão de fatos supervenientes, torne excessivamente onerosa sua obrigação (art. 6º, V, do CDC).
Dessa forma, malgrado seja legítima a cobrança de valores provenientes de tutela revogada, há de se separar os débitos atuais do plano de saúde dos débitos pretéritos, para que o beneficiário de plano de saúde não seja exposto a situação excessivamente onerosa e insustentável.
Conclusão
Conclui-se, portanto, que se houver revogação da tutela provisória com dever de indenizar o plano de saúde, essa decisão se constitui como título executivo judicial e deverá ser liquidada e cumprida nos próprios autos, não cabendo ao plano limitar a utilização dos serviços pelo beneficiário e nem condicionar esse pagamento nas mensalidades.
Quem é o Dias Ribeiro Advocacia?
O Dias Ribeiro Advocacia é um escritório de advocacia especializado em ações contra planos de saúde. Nos aperfeiçoamos diariamente para prestar o melhor serviço jurídico na tutela do direito à saúde de milhares de beneficiários de planos de saúde.
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Artigo escrito em coautoria com Fernanda Ferroni.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2018. 1808 p.