Multa por fidelidade no contrato de plano de saúde.

O que são a fidelidade e as multas contratuais

A multa contratual pode ser estabelecida nos contratos a fim de garantir seu cumprimento. Ela estabelece, genericamente, que aquele que deixar de cumprir parcial ou integralmente com alguma obrigação estabelecida pelo contrato deverá pagar um valor  à outra parte a fim de garantir-lhe os interesses. É uma garantia especial colocada voluntariamente pelas partes a fim de assegurar o cumprimento de uma cláusula específica ou do contrato como um todo, posto que desestimula o inadimplemento, reafirmando o adágio pacta sunt servanda – os pactos devem ser cumpridos.

Assume em alguns casos a forma de “cláusula de arrependimento”, firmando que uma das partes terá a faculdade de não cumprir com sua obrigação, desde que arque com o pagamento de um valor previamente estabelecido. Em se tratando de contratos de prestação sucessiva, pode ser também o que se chama de cláusula de fidelidade, em que se estabelece um período mínimo de vinculação antes do qual a rescisão gerará a obrigação de pagar multa. Ou mesmo de juros moratórios, que incidem diante do atraso na prestação e não geram maiores controvérsias.

De plano, deve ser apontado que a dita multa, seja ela qual for, precisa ser proporcional aos valores e prestações do contrato e não pode importar em enriquecimento “exagerado” por nenhuma das partes – mesmo quando previamente pactuada, a proporcionalidade deverá ser observada e poderá ser imposta pelos tribunais. É o que dizem os artigos 412 e 413 do Código Civil e também a aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade. Em geral, se assume que a multa não deve ser superior a 10% do valor do contrato.

REGRA GERAL: A MULTA NÃO DEVE SER SUPERIOR A 10% DO VALOR DO CONTRATO.

Também, se o fim do contrato é motivado por um ato ilícito da outra parte, a multa será considerada descabida, aplicando-se aí a teoria da exceptio non adimpleti: o inadimplemento de uma das partes desobriga a outra.

As multas nos contratos de Plano de Saúde

Feitas estas considerações gerais, questiona-se agora o regramento das multas no que tange aos contratos de Plano de Saúde.

Estes contratos são contratos de adesão regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual reconhece-se a limitação na liberdade contratual dos aderentes. Diante disso, o ordenamento jurídico busca encontrar meios de restaurar o equilíbrio contratual – o que importa, em geral, em regras que limitam o que pode ou não estar disposto nos contratos e de que forma.

Ademais, por tratarem de um bem de importância central para o ordenamento jurídico, qual seja, a saúde e consequentemente a vida digna, estes contratos também estão sujeitos às normas postas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Nestes termos, com frequência os Planos de Saúde estabelecem em seus contratos multas para a hipótese de rescisão unilateral do contrato por parte do beneficiário, estabelecendo uma cláusula de fidelidade. Faziam em isso com base, especificamente, nos art. 17, parágrafo único da Resolução Normativa nº 195/2009 da ANS:

Art. 17 As condições de rescisão do contrato ou de suspensão de cobertura, nos planos privados de assistência à saúde coletivos por adesão ou empresarial, devem também constar do contrato celebrado entre as partes.

Parágrafo único. Os contratos de planos privados de assistência à saúde coletivos por adesão ou empresarial somente poderão ser rescindidos imotivadamente após a vigência do período de doze meses e mediante prévia notificação da outra parte com antecedência mínima de sessenta dias. (revogado)

 

E art. 20, RN nº 412/2016 da ANS:

Art. 20. O pedido de cancelamento dos contratos individuais ou familiares não exime o beneficiário do pagamento de multa rescisória, quando prevista em contrato, se a solicitação ocorrer antes da vigência mínima de 12 (doze) meses, observada a data de assinatura da proposta de adesão.

 

Vejamos, então, algumas hipóteses importantes de (des)cabimento deste tipo de multa quando parte do beneficiário a iniciativa para pôr fim ao contrato de plano de saúde.

Possível abusividade da cláusula de fidelização com base no CDC

O Código de Defesa do Consumidor impõe que não sejam postas em contratos cláusulas excessivamente onerosas ao consumidor ou sem uma contrapartida em seu benefício. Isto por considerar que o consumidor (no caso em análise, o beneficiário do Plano de Saúde) é o elo mais fraco desta relação contratual e possui pouca ou nenhuma ingerência sobre as cláusulas do contrato a que adere, não sendo cabível, portanto, considerar que o mesmo concordou com assumir uma obrigação sem nenhuma contrapartida por pura liberalidade.

Neste sentido, é entendimento generalizado nos tribunais, em aplicação do CDC, que as cláusulas de fidelidade devem vir acompanhadas de algum benefício para o consumidor, como um desconto no serviço, por exemplo.

Nesse sentido, ainda que o art. 20, RN 412/2016 autorize o estabelecimento de multa rescisória no cancelamento dos contratos individuais, continua vigente a necessidade de contrapartida por parte da operador do Plano, pela prevalência da lei consumerista. O mesmo vale na hipótese de rescisão do contrato coletivo pela empresa – que é diferente da exclusão do beneficiário.

Assim, diante da existência de uma previsão de multa por inobservância do prazo de fidelidade sem que haja alguma contrapartida igualmente expressa em contrato em benefício do consumidor, a multa pode ser considerada abusiva e, portanto, descabida.

Contratos coletivos ou empresariais

 A questão da fidelidade dos beneficiários aos contratos coletivos e empresariais foi o que motivou a mencionada ACP nº 136265-83.2013.4.02.51.01. Em julgamento de Apelação no curso deste processo, assim se posicionou a relatora, Desembargadora Federal Vera Lúcia Lima da Silva:

 

De outro lado, cumpre ressaltar que a autorização, concedida pelo artigo 17 da RN/ANS 195/2009, para que os planos de saúde coletivos estabeleçam, em seus contratos, cláusulas de fidelidade de doze meses, com cobrança de multa penitencial, caso haja rescisão antecipada dentro desse período, viola o direito e liberdade de escolha do consumidor de buscar um plano ofertado no mercado mais vantajoso, bem como enseja à prática abusiva ao permitir à percepção de vantagem pecuniária injusta e desproporcional por parte das operadoras de planos de saúde, ao arrepio dos incisos II e IV, do art. 6º, do CDC.

 

O voto da Desembargadora confirmou a sentença prolatada em 1º grau no sentido de garantir a liberdade de escolha dos sujeitos que aderem a um plano de saúde coletivo, considerando que sua liberdade de escolha no momento da adesão é ainda mais restrita.

Em decorrência deste processo, a ANS foi obrigada a revogar o parágrafo único do mencionado art. 17, de modo que hoje não resta mais dúvidas quanto à abusividade da fidelidade em se tratando de planos coletivos, sejam eles empresariais ou de adesão, em relação aos indivíduos beneficiários. Isto porque a exclusão do beneficiário não extingue a integralidade do contrato.

 

Ato ilícito da operadora do Plano de Saúde

 Como mencionado, o inadimplemento de uma das partes, desobriga a outra ao cumprimento de suas obrigações, por força da teoria da exceptio non adimpleti.

Nesse sentido, uma vez que a operadora aja de forma ilícita ou abusiva, é cabida a rescisão por parte do beneficiário sem o pagamento de eventual multa prevista em contrato, uma vez que deixa de ser exigível o cumprimento das obrigações.

Esta é a hipótese, por exemplo, da rescisão motivada por negativa ilícita de cobertura de tratamento ou de rescisão que se segue a reajuste abusivo nas mensalidades do plano.

Para maiores informações, fundamental é a análise do caso concreto.

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