Ônus Reais no Direito Civil

 

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1. Introdução.

No âmbito do direito das obrigações, é capítulo indispensável a distinção entre os direitos pessoais e os direitos reais.

No contexto desta discussão, a doutrina menciona figuras híbridas ou intermédias, que se situam entre os direitos pessoais e os direitos reais.

Neste artigo, merecem destaque duas espécies: as obrigações propter rem e os ônus reais.

2. O que são ônus reais?

Pode-se conceituar como ônus reais as obrigações que limitam o uso e o gozo da propriedade, constituindo gravames ou direitos oponíveis erga omnes, a exemplo da renda constituída sobre imóvel.[1]

Outro exemplo típico de ônus real é o caso da hipoteca constituída sobre um imóvel.

3. O que são obrigações propter rem?

A melhor apreensão conceitual das obrigações propter rem (ou obrigações ambulatórias) encontra-se insculpida na obra de Silvio Rodrigues, para quem:

“A obrigação `propter rem’ é aquela em que o devedor, por ser titular de um direito sobre uma coisa, fica sujeito a determinada prestação que, por conseguinte, não derivou da manifestação expressa ou tácita de sua vontade. O que o faz devedor é a circunstância de ser titular do direito real, e tanto isso é verdade que ele se libera da obrigação se renunciar a esse direito”[2]

Gonçalves conceitua tais obrigações como as que recaem sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Tratam-se de obrigações que só existem em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de certa coisa.[3]

Pode-se citar alguns exemplos desta espécie obrigacional: a obrigação do pagamento de taxas condominiais, a obrigação que tem o dono da coisa perdida de recompensar e indenizar o descobridor (art. 1.234); obrigação do condômino de não alterar a fachada do prédio; obrigação do proprietário de imóvel em prédio de não prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos (art. 1.277) do CC.[4]

4. Quais as diferenças entre obrigações propter rem e ônus reais?

No que atine às distinções entre obrigações propter rem e os ônus reais, são elucidativas as lições de Carlos Roberto Gonçalves, que trata a questão sob quatro prismas. Para o autor, (a) a responsabilidade pelo ônus real é limitada ao bem onerado, limite que não existe no âmbito das obrigações propter rem; (b) o ônus real desaparece com o perecimento do objeto, o que não se dá com a obrigação propter rem, que pode permanecer, ainda que a coisa pereça; (c) os ônus reais implicam sempre uma prestação positiva, enquanto a obrigação propter rem pode surgir com uma prestação negativa; (d) e, por fim, nos ônus reais, a ação cabível é de natureza real, ao passo que nas obrigações propter rem, é de índole pessoal.

Para que existam ônus reais para o novo adquirente, é condição necessária que haja a transmissibilidade das obrigações relacionadas à coisa, de modo que não se cogita da existência de ônus reais quando as obrigações afetas à coisa não são trasmissíveis. [5]

Tal transmissibilidade, entrementes, não se confunde com as próprias obrigações propter rem, que derivam da coisa, e não da vontade do proprietário atual ou pretérito desta.

Cumpre notar que as obrigações propter rem possuem aptidão para responsabilizar o seu titular ilimitadamente, o que não acontece no âmbito dos ônus reais.

Ônus real é um encargo que incide sobre o bem em sua análise singular. Se uma casa encontra-se hipotecada, ela está gravada com ônus real. Malgrado trate-se de obrigação marcada pela transmissibilidade, a origem do ônus real é distinta da obrigação propter rem, porquanto aquele deriva da vontade de um titular da coisa (prestação positiva), enquanto esta deriva da própria condição de proprietário, e independe da vontade deste.

Cumpre notar, ainda, que a obrigação propter rem não imprime necessária limitação ao uso ou gozo da propriedade, características essenciais do ônus real.

Outrossim, ônus real advém necessariamente da vontade, o que não se dá necessariamente nas obrigações propter rem, as quais, em regra, derivam de imposição legal.

Apesar das distinções, o STJ vem atribuindo aos encargos condominiais status de ônus real. O seguinte julgado representa o entendimento da Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. COBRANÇA. COTAS CONDOMINIAIS. CREDOR FIDUCIÁRIO. O cumprimento das obrigações atinentes aos encargos condominiais constitui ônus real, que grava a própria unidade do imóvel, uma vez que a lei lhe imprime o poder de sequela. Assim, diante da natureza propter rem da obrigação condominial, são os proprietários do imóvel que respondem pelos débitos da unidade. Ainda que a apelante não tenha sido imitida na posse do bem, tal, por si só, não afasta sua responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais vencidas após a consolidação da propriedade em seu nome. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70077973824, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 11/07/2018). (TJ-RS – AC: 70077973824 RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Data de Julgamento: 11/07/2018, Vigésima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 20/07/2018)

5. Considerações Finais.

Ônus Reais são obrigações que limitam o uso e o gozo da propriedade, constituindo gravames ou direitos oponíveis erga omnes. Distinguem-se das obrigações propter rem, pelas razões elencadas no presente artigo.

Existem diversas distinções entre ambos os institutos. Os ônus reais marcam-se pelo elemento vontade, imprimem necessária limitação ao uso e gozo da propriedade, e a responsabilização de seu titular limita-se ao próprio bem. Malgrado transmissíveis, não se confundem os ônus reais com as obrigações propter rem, pelas razões destacadas no artigo.

Contudo, o STJ vem atribuindo aos encargos condominiais o status de ônus real, malgrado a postura seja controversa e suscite discussões doutrinárias.


[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.30.

[2] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral das Obrigações, São Paulo: Saraiva, 2002, p.79.

[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., 2014, p. 27.

[4] Ibidem.

[5] Essa é a nossa compreensão manifestada neste artigo.

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