Obrigatoriedade de cobertura do medicamento Orkambi
Em julho de 2018 a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) registrou o medicamento Orkambi (princípios ativos ivacaftor, lumacaftor) sob nº 13823001, classificando-o como produto para o sistema respiratório. Com isto, estão potencialmente cumpridos todos os requisitos para que o custeio do medicamento Orkambi seja assegurado pelas operadoras de planos de saúde, quais sejam:
- registro do fármaco Orkambi na ANVISA;
- prescrição médica circunstanciada;
- doença catalogada no CID-10 da OMS e
- ausência de exclusão expressa de cobertura da doença pelo plano de saúde.
O medicamento Orkambi é indicado para tratamento de fibrose cística ou doença do beijo salgado (CID 10 – E84) – doença genética crônica que afeta pulmões, pâncreas e sistema digestivo, considerada a doença genética grave mais comum da infância, consoante a sua bula:
1. PARA QUE ESTE MEDICAMENTO É INDICADO?
ORKAMBI® (lumacaftor/ivacaftor) é um medicamento de prescrição médica utilizado para o tratamento de fibrose cística (FC) em pacientes com 6 anos de idade ou mais que apresentam duas cópias da mutação F508del (F508del/F508del) no gene CFTR
ORKAMBI® não deve ser utilizado em pacientes que não apresentam duas cópias da mutação F508del no gene CFTR.
Não se sabe se ORKAMBI® é seguro e eficaz em crianças abaixo de 6 anos de idade
(…)
A fibrose cística é uma doença que atinge pacientes portadores de uma mutação que afeta o gene de uma proteína chamada reguladora da condutância transmembrana da fibrose cística (CFTR), que desempenha um papel importante na regulação do fluxo de muco nos pulmões. As pessoas com mutações específicas no gene CFTR produzem uma proteína CFTR anormal.
ORKAMBI® contém duas substâncias ativas, lumacaftor e ivacaftor, que atuam em conjunto para melhorar a função da proteína CFTR anormal em pacientes que apresentam as duas cópias da mutação F508del em seu gene CFTR. Lumacaftor aumenta a quantidade disponível de CFTR, e ivacaftor ajuda a proteína anormal a funcionar mais normalmente.
De qualquer sorte, seu uso off label (para finalidade diversa da indicada na bula) também não encontra qualquer restrição, sendo esta indicação da competência do médico assistente, sem possibilidade de intervenção das operadoras de planos de saúde.
O fármaco deve ser assegurado pelos planos de saúde por força da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) que dispõe sobre a obrigatoriedade de cobertura do tratamento das doenças previstas no CID – classificação de doenças da OMS:
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: […]
Com efeito, é preciso que o princípios da boa-fé e a própria natureza do contrato securitário (contrato – seguro saúde) seja levada em consideração na interpretação adequada deste dispositivo legal. De tal interpretação, deve chegar ao resultado da impossibilidade dos planos de saúde em limitar a atuação médica, impondo quais tratamentos serão ou não acobertados.
Não tendo sido expressamente excluída a doença do contrato do plano de saúde, qualquer forma de limitação à maneira de terapia ou procedimento diagnóstico será considerada ilegal, não devendo produzir efeito algum, visto que, por intermédio de previsão contratual, o plano de saúde assume o risco na cobertura de qualquer tratamento necessário à doença prevista contratualmente.
O raciocínio se aplica a todos os tipos de plano – públicos ou privados, empresariais ou de autogestão. Em todos eles prevalece o direito do beneficiário de ver garantido seu acesso a qualquer tratamento necessário ao restabelecimento de sua saúde.
Neste sentido, nem mesmo o argumento de que o tratamento não se encontra no rol de procedimentos obrigatórios da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) será suficiente para justificar a negativa do tratamento.
De fato, esta Agência governamental atualiza a cada dois anos uma lista de procedimentos e tratamentos mínimos a serem observados pelas empresas operadoras de planos de saúde. Esta lista, constante da Resolução Normativa nº 211/2010, aponta o mínimo a ser assegurado pelos planos de saúde, mas não tem o condão de limitar a obrigação da empresa operadora, sendo meramente exemplificativa.
Em observância à autoridade do médico, único profissional habilitado a prescrever o tratamento mais adequado para cada paciente, é possível concluir que o Rol de Procedimentos e Eventos da ANS é, na realidade, meramente exemplificativo. Dessa forma, a obrigação dos planos de saúde não se finda apenas no Rol.
E mais: Encontra-se o medicamento devidamente registado na ANVISA não deve haver qualquer limitação para sua indicação pelo profissional médico, não devendo o plano de saúde ou a ANS limitar o acesso dos beneficiários a estes medicamentos, posto que não é esta sua atribuição.
Ora, cabe à ANS regular o mercado da saúde suplementar, cotejando os interesses econômicos daqueles que lucram com o mercado da saúde e os interesses fundamentais dos indivíduos, como a vida digna e a saúde integral. A regulação da entrada de fármacos no mercado nacional é papel institucional da ANVISA, agência distinta e atenta não a elementos econômicos, mas aos avanços científicos da farmacologia.
Dessa maneira, tendo em vista que o fármaco em questão encontra-se registrado na ANVISA sob nº 13823001, não há qualquer argumentação para eventual indeferimento pelo plano de saúde, contrariando prescrição médica.
É assim que se posicionam os tribunais, seguindo orientação da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça:
[…] 3. O contrato de plano de saúde pode limitar as doenças a serem cobertas não lhe sendo permitido, ao contrário, delimitar os procedimentos, exames e técnicas necessárias ao tratamento da enfermidade constante da cobertura;
(STJ, AgInt no AREsp 1607797 / SP. Relator Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA (1146), julgado em 10/08/2020, DJe 14/08/2020)
É o que aponta a seguinte súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo, que encontra similares também em outros estados:
Súmula 102, TJ-SP: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.
Igualmente, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ/BA) também já apresentou inúmeras manifestações no sentido da abusividade da do indeferimento de custeio pelo plano de saúde em contraponto ao relatório médico, determinando, inclusive, a indenização por danos morais, sob a justificativa de que “não cabe a ele [o plano] definir qual o tipo de tratamento deve ser prescrito ao paciente, gerando ofensa à honra subjetiva da autora”, constante nos autos do processo nº 0514731-87.2017.8.05.0080, julgado em fevereiro de 2020.
Dessa maneira, existindo relatório médico indicando a necessidade de uso do medicamento Orkambi, é ilegal e indevido o comportamento da operadora de plano de saúde que indefere a autorização e custeio do tratamento medicamentoso, ocasionando, inclusive, danos morais indenizáveis.
Também o fato de o medicamento ser de uso domiciliar não é relevante para a caracterização da obrigação do plano de saúde: existe posicionamento do STJ no sentido de que é irrelevante o local de administração da medicação na determinação do dever de cobertura do plano. Destaca-se que a prioridade será sempre a proteção da saúde do consumidor, sendo nula qualquer cláusula que represente risco à vida ou bem-estar dele.
Assim, há precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo (processo nº 1001183-87.2017.8.26.0100, julgado e publicado em 2017) determinando o custeio de comprimido de uso domiciliar ao argumento de que a negativa do plano de saúde é “contrária ao direito fundamental à saúde, à vida e, inclusive ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, direitos abrangidos na cobertura do plano de saúde”.
Neste processo ainda se destacou que “negar o procedimento curativo ou que traga maior qualidade de vida ao paciente é o mesmo que retirar a cobertura da moléstia, o que se mostra abusivo”.
Conclui-se, dessa maneira, que os diversos tribunais do Brasil tendem a acompanhar o posicionamento majoritário do STJ, no sentido de que o indeferimento de tratamento pelo seguro saúde fundado na ausência do medicamento no Rol da ANS é abusivo, uma vez que o referido Rol é meramente exemplificativo. Os planos de saúde, podem, inclusive, limitar as doenças cobertas contratualmente, contudo, uma vez prevista aquela doença, não pode limitar o seu tratamento.
Assim, para que o plano de saúde seja obrigado ao custeio do medicamento, basta que haja a nacionalização do medicamento por meio do registro na ANVISA, relatório médico indicando o tratamento medicamentoso e a ausência de exclusão contratual expressa da doença, sendo proibida a exclusão de tratamentos quando a doença é contratualmente prevista.
O que fazer diante da negativa do medicamento Orkambi?
Diante da negativa de custeio do medicamento Orkambi por parte do plano de saúde, é possível, com a assistência de um advogado especialista em saúde, buscar o poder judiciário para reverter rapidamente a situação por meio de tutela de urgência em caráter liminar, obrigando o plano ao custeio da medicação e ainda pleiteando indenização pelos danos morais sofridos.
Salienta-se, novamente, a indispensabilidade do relatório médico indicando a necessidade e adequação do tratamento medicamentoso ao caso do beneficiário.
E mais: Caso você já tenha efetuado pagamento de algum mês do medicamento, é possível pleitear a sua restituição (ou reembolso).
Para tanto, recomenda-se o acompanhamento de um advogado especializado em saúde para melhor assessorar o seu caso.
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O Dias Ribeiro Advocacia é um escritório de advocacia especializado em ações contra planos de saúde. Nos aperfeiçoamos diariamente para prestar o melhor serviço jurídico na tutela do direito à saúde de milhares de beneficiários de plano de saúde.
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Texto escrito por Letícia Pinheiro Soares, revisado e publicado por Luciana Afonso Silva Azevedo.