Artigo sobre o procedimento no Juizado Especial Cível.
1. Introdução.
Os Juizados Especiais Cíveis constituem mecanismo efetivador do acesso à justiça que se integram ao Poder Judiciário, propiciando mais fácil acesso ao jurisdicionado. Proporcionam, assim, a possibilidade de serem encontradas soluções razoáveis às lides fora dos mecanismos complexos e onerosos de demandas em tribunais.[0]
No âmbito dos Juizados, o processo orientar-se-á pelos específicos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação (art. 2º da Lei 9.099/95).
Tratam-se de princípios orientadores que simplificam a atuação das partes em ambiente processual, facilitando a obtenção da tutela jurisdicional.
2. Competência
2.1 Critérios de definição da competência.
Conhecer a competência é indispensável para o ajuizamento de demandas no âmbito do Juizado Especial Cível.
A matéria afeta à competência do Juizado Especial Cível encontra-se exposta no art. 3º da Lei 9.099/95. Como regra, o Juizado Especial Cível tem competência para julgar causas de menor complexidade que não excedam ao teto de quarenta vezes o salário mínimo. Ou seja, além da pequena complexidade, a causa deve apresentar pequena dimensão econômica (art. 3º, I). Trata-se de critério adotado pelo valor da causa.
Veja-se que a complexidade, por si só, já é elemento suficiente à exclusão da apreciação da causa pelo Juizado Especial. Tal complexidade é a complexidade de fato, e não a complexidade do direito. Neste sentido decidiu o TJ-SP no âmbito da C.C 1640840000.
Além do critério do valor da causa, existem critérios materiais, que levam em conta qualidades do direito discutido.
Com efeito, a Lei 9.099/95 faz referência a competência do Juizado para ações possessórias sobre bens imóveis de valor inferior a 40 (quarenta) salários mínimos, para julgamento de ação de despejo para uso próprio e aquelas ações enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil.[1]
No que concerne a referência às ações do art. 275, inciso II, do antigo Código de Processo Civil (CPC/73), insta destacar que o dispositivo foi revogado. No entanto, consoante lições de Humberto Theodoro Jr., por força do art. 1.063 do NCPC, “até a edição de lei específica, os juizados especiais cíveis continuam competentes para o processamento e julgamento das causas previstas naquele dispositivo”[2]
Confira-se, apenas em grau ilustrativo, o que dispunha o revogado art. 275, II, da revogada Lei 5.869/73 (CPC antigo):
Art. 275 Observar-se-á o procedimento sumaríssimo:(…)
II – nas causas, qualquer que seja o valor:
a) de reivindicação de coisas móveis e de semoventes;
b) de arrendamento rural e de parceria agrícola;
c) de responsabilidade pelo pagamento de impostos, taxas, contribuições, despesas e administração de prédio em condomínio;
d) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico;
e) de reparação de dano causado em acidente de veículo;
f ) de eleição de cabecel;
g) que tiverem por objeto o cumprimento de leis e posturas municipais quanto à distância entre prédios, plantio de árvores, construção e conservação de tapumes e paredes divisórias;
h) oriundas de comissão mercantil, condução e transporte, depósito de mercadorias, gestão de negócios, comodato, mandato e edição;
i) de cobrança da quantia devida, a título de retribuição ou indenização, a depositário e leiloeiro;
j) do proprietário ou inquilino de um prédio para impedir, sob cominação de multa, que o dono ou inquilino do prédio vizinho faça dele uso nocivo à segurança, sossego ou saúde dos que naquele habitam;
l) do proprietário do prédio encravado para lhe ser permitida a passagem pelo prédio vizinho, ou para restabelecimento da servidão de caminho, perdida por culpa sua;
m) para a cobrança dos honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial.
Parágrafo único. Esse procedimento não será observado nas ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas.
Há de se salientar que ficam excluídas da competência Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial, consoante dispõe o § 2º do art. 3º da Lei 9.099/95.[3]
É possível, ainda, o ajuizamento de demandas de menor complexidade no juizado, ainda que excedentes do limite legal estipulado. Nesta hipótese, contudo, a parte autora deverá renunciar ao crédito excedente ao limite estabelecido pelo art. 3º da Lei 9.099. Insta destacar o enunciado 1º do FONAJE, segundo o qual o “exercício do direito de ação no Juizado Especial Cível é facultativo para o autor”.
2.2 Distribuição da competência territorial no âmbito do Juizado Especial Cível.
No que toca a distribuição territorial da competência, a parte autora poderá ajuizar a demanda no foro de domicílio do réu, ou, a seu critério, no local onde este exerça atividades profissionais, econômicas, ou mantenha estabelecimento, filial, agência, sucursal ou escritório. (art. 4º, I, da Lei 9.099/95)
É possível, ainda, no que toca as demandas que discutem obrigações, o ajuizamento da demanda no local onde esta deva ser satisfeita, ou, ainda, nas ações reparatórias, no domicílio do autor ou do local do ato ou fato.
3. Quem pode ser parte no Juizado Especial Cível?
O art. 8º e seguintes da Lei 9.099 define quem não pode ser parte no âmbito dos Juizados.
Com efeito, não podem ser partes o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil (art. 8º).
O § 1º do mesmo artigo admite como parte no âmbito do Juizado as pessoas físicas capazes, as pessoas enquadradas como microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, as OSCIPs e as sociedades de crédito ao empreendedor.
4. É necessária a presença do advogado no âmbito do Juizado Especial Cível?
No que toca a necessidade de advogado para formulação de pedidos no âmbito do Juizado Especial, a regra é de que, nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes poderão comparecer acompanhadas por advogado, não sendo obrigatória sua assistência.
Quando, porém, o valor supera vinte salários mínimos, a presença de advogado no âmbito do Juizado torna-se obrigatória (art. 9º da Lei 9.099/95).
5. É possível intervenção de terceiros no Juizado Especial Cível?
No âmbito do Juizado, como regra, veda-se qualquer forma de intervenção de terceiro e/ou assistência. Admite-se, porém, litisconsórcio, consoante disciplina do art. 10 da Lei 9.099.
Deve-se observar, entrementes, que o limitativo do valor da causa, em caso de litisconsórcio facultativo, levará em conta cada consorte considerado individualmente, e não a soma de todos. Isto significa dizer que, havendo 2 (duas) partes autoras, em litisconsórcio facultativo ativo, o valor da causa poderá superar a importância de 40 (quarenta) salários mínimos, desde que, pela divisão do valor por 2 (dois), não se supere o teto do juizado.
6. Desistência no Juizado Cível.
No âmbito dos Juizados Cíveis, inexiste a necessidade de consentimento da parte contrária para haver a desistência da ação.
Este é o entendimento manifestado no enunciado 90 do FONAJE:
ENUNCIADO 90 – A desistência do autor, mesmo sem a anuência do réu já citado, implicará na extinção do processo sem julgamento do mérito, ainda que tal ato se dê em audiência de instrução e julgamento (XVI Encontro – Rio de Janeiro/RJ).
7. Procedimento
No âmbito do Juizado Especial, as partes poderão formular pedidos escritos ou orais à Secretaria do Juizado. (art. 14 da Lei 9.099). O pedido oral será reduzido a escrito pela própria Secretaria.
Uma vez formulado o pedido, será designada audiência de conciliação, a ser realizada no prazo de quinze dias (art. 16).
Não obtida a conciliação, deverá ser designada nova data para audiência, não sendo possível proceder-se de imediato à instrução e julgamento do feito. Neste lapso temporal entre uma audiência e outra, a parte ré pode apresentar sua resposta.
Neste sentido, veja-se o que decidiu o TJ-DF:
PROCESSUAL. JUIZADO ESPECIAL. RITO SUMARÍSSIMO. AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO SEGUIDA DE SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. DECISÃO IMEDIATA SEM OPORTUNIZAR DEFESA. MANDADO DE CITAÇÃO SEM REFERÊNCIA AO PRAZO DA RESPOSTA. PREJUÍZO A AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. NULIDADE ABSOLUTA. CONHECIMENTO DE OFÍCIO. SENTENÇA ANULADA. 1. O rito sumaríssimo prevê uma sessão de conciliação e uma audiência de instrução e julgamento. Não obtida a conciliação, deve ser designada nova data para audiência, se não for possível proceder imediatamente à instrução e julgamento, oportunidade em que a parte ré pode apresentar sua resposta. (…).(TJ-DF – ACJ: 20140710325044, Relator: FÁBIO EDUARDO MARQUES, Data de Julgamento: 26/05/2015, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 10/06/2015 . Pág.: 273)
Insta referir o enunciado 10 do FONAJE, segundo o qual a contestação poderá ser apresentada até a audiência de Instrução e Julgamento.
Na contestação, que será oral ou escrita, deverá haver toda a matéria de defesa, sendo vedado, de regra, a veiculação de reconvenção na peça contestatória (art. 30 e 31 da Lei 9.099).
Neste ponto, parece haver vaidade legislativa, uma vez que é lícito ao réu, na contestação, a formulação de pedido contraposto, nos limites do art. 3º da Lei, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia.
Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados na peça vestibular, salvo se o contrário resultar da compreensão do magistrado (art. 20 da Lei 9.099/95)
Conforme enunciado 20 do FONAJE, o comparecimento pessoal da parte às audiências é obrigatório. A pessoa jurídica poderá ser representada por preposto.
Realizada audiência de instrução e julgamento, serão ouvidas as partes, colhida a prova, e , em seguida, proferida sentença (art. 28 da Lei 9.099/95).
Todos os meios probatórios são permitidos em juizado, desde que não firam os princípios específicos do microssistema. As testemunhas, até o máximo de três para cada parte, comparecerão à audiência de instrução e julgamento independentemente de intimação, ou mediante esta, caso seja requerida (art. 34).
Proferida sentença no âmbito do Juizado Especial Cível, será cabível o recurso, no prazo de 10 (dez) dias (art. 41), a ser julgado pela Turma Recursal do respectivo Juizado.
[*] artigo disponível no site www.diasribeiroadvocacia.com.br
[0] THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. 50 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 387
[1] ENUNCIADO 4 – Nos Juizados Especiais só se admite a ação de despejo prevista no art. 47, inciso III, da Lei 8.245/1991.
[2] THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. 50 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 393.
[3]Neste sentido, também, o enunciado 8 do FONAJE: As ações cíveis sujeitas aos procedimentos especiais não são admissíveis nos Juizados Especiais.