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Plano de saúde deve custear implante de lente tórica multifocal

Cobertura e acesso à lente intraocular tórica multifocal: uso, custos e direitos dos pacientes

Inicialmente, importa mencionar que esse artigo analisará o dever de custeio da lente intraocular tórica multifocal, utilizada na cirurgia de catarata, pelos planos de saúde e, em certos casos, pelo SUS.

A lente intraocular tórica multifocal para catarata deve ser coberta pelo plano de saúde?

A lente intraocular tórica multifocal, quando o médico oftalmologista a prescreve com justificativa específica (correção da catarata associada ao astigmatismo e, em geral, da visão de longe e de perto), deve integrar a cobertura dos planos de saúde. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que o plano deve custear tratamentos e materiais essenciais ao êxito do procedimento cirúrgico. Nessa categoria, inclui-se a lente intraocular indicada, ainda que a operadora tente limitar a cobertura à lente “básica”.

Cumpre salientar que, nesses casos, as alegações de taxatividade do rol da ANS não prevalecem de forma absoluta. Em situações em que o paciente precisa da lente tórica multifocal para corrigir adequadamente a visão, a aplicação do rol admite mitigações. O direito à saúde, à reabilitação visual e à dignidade do paciente deve orientar a interpretação.

Portanto, havendo recomendação médica específica e bem fundamentada, o plano de saúde, em regra, deve custear a lente intraocular tórica multifocal ou o valor correspondente ao material necessário para o sucesso da cirurgia.

Para que serve a lente intraocular tórica multifocal?

O oftalmologista usa a lente intraocular tórica multifocal no tratamento cirúrgico da catarata associada ao astigmatismo. Trata-se de um dispositivo médico implantado dentro do olho, em substituição ao cristalino opaco. 

Além disso, a lente tórica multifocal corrige o astigmatismo e oferece múltiplos focos (para longe, intermediário e perto). Assim, reduz a dependência de óculos após a cirurgia. Em muitos casos, o médico a indica para pacientes ativos, que precisam de boa visão em diferentes distâncias e apresentam astigmatismo significativo. A lente monofocal comum, muitas vezes, não corrige esse quadro de forma adequada.

Então, o oftalmologista recorre com frequência à lente intraocular tórica multifocal quando o paciente apresenta catarata associada ao astigmatismo e deseja melhor qualidade visual no dia a dia. A lente representa alternativa tecnológica relevante em comparação às lentes convencionais fornecidas pelos planos de saúde.

Quanto custa?

O custo da lente intraocular tórica multifocal costuma ser elevado. O valor varia conforme a marca, a tecnologia utilizada (importada ou nacional), o tipo de lente escolhida e a região onde o paciente realiza a cirurgia.

Em termos gerais, o preço da lente tórica multifocal pode superar, com facilidade, a faixa de R$ 7.000,00 por olho. Em alguns casos, o valor ultrapassa R$ 10.000,00, ou até mais, a depender do modelo e da cotação praticada por clínicas e hospitais.

Portanto, diante da necessidade de implante em cada olho e da tecnologia envolvida, o custo total pode se tornar muito significativo para o paciente e sua família.

O que fazer diante da negativa?

Em caso de negativa do plano de saúde ou do SUS para fornecer ou custear a lente intraocular tórica multifocal, o primeiro passo consiste em solicitar uma resposta formal da negativa. De preferência, por escrito, com o motivo alegado de forma clara, como “lente especial”, “não está no rol da ANS”, “caráter estético” ou exigência de pagamento de diferença pelo paciente.

Com esse documento em mãos, o paciente deve reunir também um laudo médico específico. Nesse laudo, o médico detalha a necessidade da lente tórica multifocal para o caso clínico (catarata, astigmatismo, atividades profissionais, riscos de mau resultado com lente simples, entre outros fatores). A partir daí, o paciente pode recorrer à Justiça para garantir o acesso à tecnologia indicada.

Muitas vezes, o paciente consegue esse acesso por meio de liminar.

Para isso, o apoio jurídico especializado em direito da saúde torna-se essencial. O advogado pode conduzir o processo de forma a agilizar o tratamento cirúrgico e evitar atraso na realização da cirurgia de catarata, sobretudo quando a visão já se encontra muito comprometida.

O plano de saúde pode me oferecer outra lente no lugar?

A decisão de substituir a lente intraocular tórica multifocal por outra lente “simples”, monofocal ou sem correção do astigmatismo não cabe ao plano de saúde.

A escolha da lente intraocular mais adequada (tórica, multifocal ou não) é responsabilidade exclusiva do médico oftalmologista que acompanha o paciente. O profissional analisa o grau, o astigmatismo, a anatomia ocular e as necessidades visuais do indivíduo antes de indicar a melhor opção.

Sendo assim, quando o médico prescreve a lente tórica multifocal como a opção tecnicamente mais indicada, o plano de saúde não pode impor outra lente inferior. Tal substituição depende da aprovação do médico e do consentimento esclarecido do paciente.

O plano de saúde pode alegar que a lente intraocular tórica multifocal não observa as diretrizes de utilização da ANS?

O Rol da ANS possui natureza taxativa com mitigações. O rol contempla a cirurgia de catarata com implante de lente intraocular, mas não descreve, de forma exaustiva, todas as tecnologias existentes (tóricas, multifocais, premium e outras).

Quando o médico prescreve de forma específica a lente intraocular tórica multifocal para garantir resultado adequado na cirurgia de catarata, a negativa do plano de saúde perde força. Em muitos casos, o Judiciário afasta o argumento de que apenas a lente “básica” seria obrigatória ou de que a tecnologia não seguiria as diretrizes de utilização da ANS.

Neste sentido:

Apelação. Plano de saúde. Medicamento antineoplásico. Negativa “com base” em ausência de diretriz de utilização no rol da ANS.[…] Rol da ANS tem natureza taxativa mitigada. Aplicação da Lei n. 14.454/2022. Relatório médico que apresenta harmonia com os preceitos das ciências da saúde. Dever de custeio. Indenização. Ausência de prova de efetivo desembolso do valor do fármaco. Dever de apresentação de documentação complementar na fase de cumprimento de sentença. (TJ-SP – Apelação Cível: 10311090920238260002 São Paulo, Relator: Maurício Velho, Data de Julgamento: 17/09/2024, 4ª Câmara, Data de Publicação: 17/09/2024)

Quando é possível obter o fornecimento da lente na Justiça?

O paciente pode obter a lente intraocular tórica multifocal por meio de decisão judicial quando o plano de saúde se recusa a custear a lente indicada na cirurgia de catarata. O mesmo vale para situações em que o contrato não prevê, de forma explícita, o material especial, embora ele seja necessário ao sucesso do procedimento já coberto.

Nesses casos, a pessoa pode requerer uma liminar. Para tanto, deve apresentar laudo médico que comprove a necessidade da lente tórica multifocal. 

O mesmo princípio se aplica ao SUS. Quando o médico prescreve a lente especial, mas o sistema público não a disponibiliza administrativamente, o paciente pode recorrer à Justiça.

É possível obter uma liminar para conseguir a lente?

Em situações de urgência, o paciente pode pedir uma liminar. Isso ocorre, por exemplo, quando a visão está em rápido declínio por causa da catarata avançada ou quando a cirurgia já se encontra agendada. Nesses casos, a liminar pode garantir o fornecimento imediato da lente intraocular tórica multifocal.

A liminar consiste em medida judicial provisória. Ela permite o acesso à lente ou o custeio do material enquanto o processo principal ainda está em andamento.

Ou seja, a liminar evita que o paciente fique sem o material indicado para a cirurgia ou seja submetido a lente inferior enquanto a ação judicial tramita.

Este tipo de ação é causa “ganha”?

Embora não exista garantia absoluta de sucesso em ações judiciais, muitos processos envolvendo materiais e tecnologias como a lente intraocular tórica multifocal terminam com decisões favoráveis aos pacientes.

Em geral, os tribunais reconhecem o direito à saúde e à visão como fundamentais. Esse entendimento ganha força quando há prescrição médica clara e tecnicamente justificada, mostrando que a lente simples não oferece o mesmo benefício.

No entanto, cada caso exige análise individual. O acompanhamento jurídico especializado é essencial para avaliar as chances, reunir a documentação necessária e conduzir o processo de forma adequada.

Como provar a necessidade da lente? Demora muito?

O paciente pode provar a necessidade da lente intraocular tórica multifocal por meio de laudo médico específico. Nesse documento, o profissional explica a condição clínica, o grau de astigmatismo, a presença de catarata, as limitações visuais e a razão pela qual escolheu a lente especial em vez da lente monofocal comum.

Exames oftalmológicos recentes também ajudam a fortalecer o pedido. Entre eles, destacam-se biometria, topografia corneana e testes de acuidade visual. Um histórico de óculos de alto grau ou de dificuldades importantes na visão também serve como evidência relevante.

O processo pode avançar de forma relativamente rápida quando há urgência. Nesses casos, o advogado costuma requerer o deferimento de liminar, e os juízes frequentemente analisam esse tipo de pedido com prioridade. Por isso, concessões antecipatórias se mostram comuns em ações dessa natureza.

Como conseguir a lente intraocular tórica multifocal no SUS?

No âmbito do SUS, o fornecimento de tratamentos e materiais segue os critérios definidos no Tema 106 do STJ.

O paciente deve comprovar a imprescindibilidade da lente intraocular tórica multifocal para o seu caso concreto. Também precisa demonstrar hipossuficiência financeira e o registro sanitário da lente indicada junto à Anvisa.

Ao preencher esses critérios legais, o paciente pode pleitear, judicialmente, o fornecimento da lente intraocular tórica multifocal pelo SUS, quando o sistema não disponibiliza administrativamente a tecnologia necessária à reabilitação visual.

O tratamento é experimental? O plano de saúde pode negar com essa alegação?

A lente intraocular tórica multifocal possui registro sanitário na Anvisa. Oftalmologistas do Brasil e de outros países a utilizam amplamente em cirurgias de catarata. Quando o médico a prescreve de acordo com as diretrizes técnicas da especialidade, a lente não se enquadra como tecnologia experimental.

Dessa forma, os planos de saúde não têm base legal para negar o fornecimento ou o custeio da lente intraocular tórica multifocal sob o argumento de tratamento experimental, desde que exista registro sanitário e indicação médica específica.

 
 

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