A prescrição de exames a a responsabilidade por erro médico.

Os médicos que trabalham em emergências enfrentam maior risco de incorrer em erros médicos e de serem responsabilizados civilmente por seus atos.

Estes profissionais devem sempre pautar sua atuação pela máxima responsabilidade. A ausência de prescrição de um exame ou mesmo a falta de internamento de um paciente pode gerar danos à saúde do enfermo, seu óbito, além de problemas jurídicos para o médico, como representações perante o Conselho de Classe ou ações judiciais por erro médico.

Neste artigo, serão examinados julgados que exploram a responsabilidade médica pela ausência de realização de exames diagnósticos. Geralmente, a responsabilização ocorre quando há produção de um resultado indesejado para o paciente, que poderia ser evitado caso realizado o exame médico complementar ao diagnóstico.

É conveniente o esclarecimento de duas questões iniciais: (a) em regra, a responsabilidade civil dos médicos é subjetiva, estando sua caracterização umbilicalmente ligada à demonstração de culpa, isto é, à caracterização de negligência, imprudência ou imperícia da atuação médica; (b) cumpre discernir a figura do erro da figura da culpa. Errar na medicina é possível, entretanto, é de se observar se o erro decorreu de uma atuação culposa do profissional.

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Eduardo Nunes de Souza esclarece a questão da seguinte forma:

“erro é uma falha no exercício profissional, é um juízo valorativo, promovendo uma comparação entre o procedimento adotado e aquele que em tese, teria evitado o dano já conhecido, este juízo valorativo não analisa a culpa, pois não esta interessado na maior ou menor diligência de um médico diante de um determinado quadro clínico, ora, um médico absolutamente diligente, e observador da “lex artis”, diante de um quadro clínico em que temos dois tipos de tratamento, pode optar por um que não cure o enfermo, sendo assim o médico errou, mas não houve culpa” [BERNARDES, Amanda. Responsabilidade do médico: a diferença entre erro e culpa. Revista Eletrônica de Biodireito Disponível em < https://jus.com.br/artigos/36147/responsabilidade-do-medicoadiferenca-entre-erroeculpa/1 >. Acesso em: 1 de janeiro de 2019]

A responsabilidade por erro médico.

Em regra, a responsabilidade por erro médico deriva da demonstração de culpa, sendo, portanto, uma espécie de responsabilidade subjetiva.

É necessário, entretanto, a realização de algumas ressalvas.

Cumpre salientar que há entendimento doutrinário segundo o qual o hospital responde pela atuação dos médicos, quando estes guardarem com a instituição relação de emprego ou preposição. Neste sentido aponta a doutrina de Jurandir Sebastião:

“A responsabilidade civil, para os efeitos de reparação de dano à saúde em paciente internado, será atribuída ao médico, se este tiver agido com exclusividade e não for empregado, nem preposto do hospital. Em caso de relação de emprego ou de preposição, ocorrerá solidariedade do empregador ou comitente. A responsabilidade será exclusiva do hospital se este tiver causado o dano ao paciente sem concorrência de médico (autônomo ou vinculado)”.(SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade civil médico/hospital e o ônus da prova. Revista Jurídica UNIJUS, v. 9, p. 47-48, nov/2006. )

Cumpre notar, ainda, que no caso de procedimentos estéticos voltados à produção de resultados específicos, presume-se a culpa do profissional da medicina quando não alcançado o resultado pretendido. É uma espécie de mitigação, portanto, da teoria da responsabilidade subjetiva.

Há de se esclarecer, ainda, que não se confundem a responsabilidade do médico e a responsabilidade do hospital, apresentando ambas regramento completamente distintos. O tema não será tratado neste artigo, sendo suficiente a afirmação de que os hospitais respondem objetivamente por erros médicos.

As fraturas na costela não diagnosticadas.

No Estado do Rio Grande do Sul, um paciente já foi indenizado por culpa médica em razão da falta de diagnóstico de fraturas nas costelas. No caso, o paciente se dirigiu em duas oportunidades ao hospital e, embora o exame radiológico indicasse a fratura na costela, os médicos locais não diagnosticaram o problema.

No julgado, restou caracterizado “erro evidente e desídia inquestionável que, a despeito de não influir no tratamento prescrito, extraíram do autor o direito à informação clara e precisa quanto à sua condição clínica” (Apelação Cível nº 70069892198, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Julgado em 24/08/2016)

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A falta de prescrição de exames complementares e a prisão por homicídio culposo.

Outro caso julgado que chama atenção consiste naquele exposto na Apelação Criminal nº 0004652-74.2010.815.0371, julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba.

No caso, uma paciente compareceu ao Hospital Regional Deputado Manuel Gonçalves, apontando quadro de taquicardia, dispneia, ansiedade e dor de cabeça, sendo atendida pelo médico denunciado, que orientou que a mesma voltasse para sua casa com medicações paliativas. No dia seguinte, a vítima voltou ao hospital durante a noite, relatando os mesmos sintomas, e o médico lhe prescreveu o mesmo tratamento. Horas depois, durante a madrugada, a paciente apresentou uma parada cardiorrespiratória, sendo levada à Unidade de Terapia Intensiva, onde faleceu.

Neste caso, verifica-se que o médico foi procurado em duas oportunidades, não tendo recomendado a realização de exames complementares mínimos para melhor exame do quadro da paciente. O Desembargador que apreciou o caso considerou que o médico “foi negligente ao recepcionar a paciente, grávida, com insuficiência respiratória, sem ter tido o cuidado de cercar-se dos exames complementares para casos daquela natureza, alegando que teria visitado a paciente inúmeras vezes quando a mesma estava em observação, sem ter, aproveitando-se da estrutura do Hospital Regional, realizado um ecocardiograma ou outro exame mais específico.”

Como consequência, o profissional foi condenado por crime de homicídio culposo, uma inafastável mancha em sua ficha profissional.Veja-se:

APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO DE HOMICÍDIO CULPOSO MAJORADO PELA INOBSERVÂNCIA DE REGRA TÉCNICA DE PROFISSÃO (CP, ART. 121, §§ 3º E ). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. ALEGADA AUSÊNCIA DE PROVAS PARA UMA CONDENAÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE INCONTESTES. RELATOS TESTEMUNHAIS UNÍSSONOS. QUADRO DE INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA QUE DEVERIA TER SIDO TRATADO COM EXAMES COMPLEMENTARES. VÍTIMA QUE TINHA EM SEU PRONTUÁRIO ANOTAÇÃO DE TAQUICARDIA. MÉDICO PLANTONISTA QUE, NO DIA DOS FATOS, NÃO AVALIOU ADEQUADAMENTE A PACIENTE, CONTRIBUINDO DE FORMA DECISIVA PARA O EVENTO MORTE. PROFISSIONAIS MÉDICOS – NO MESMO HOSPITAL – QUE AFIRMARAM QUE O QUADRO DE INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA PODERIA EVOLUIR E CAUSAR A MORTE DA PACIENTE. NEGLIGÊNCIA. PREVISIBILIDADE E NEXO CAUSAL COMPROVADOS. DOSIMETRIA ISENTA DE RETOQUES. RECURSO DESPROVIDO. – Demonstrada a conduta culposa do acusado, médico plantonista do Hospital Regional, que, de forma negligente e sem observar regra técnica da profissão, deixou, embora tivesse condições para tanto, de efetuar exames complementares que aferissem e que pudessem nortear o atendimento à vítima, daí advindo o óbito. Demonstrado, pois, o nexo de causalidade – As testemunhas foram uníssonas ao afirmar que o procedimento para quadros clínicos da mesma natureza, ou seja, de insuficiência respiratória, ensejavam – naquele mesmo hospital – a realização de exames complementares, (TJPB – ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00046527420108150371, Câmara Especializada Criminal, Relator DES. JOÁS DE BRITO PEREIRA FILHO , j. em 30-04-2019) (TJ-PB 00046527420108150371 PB, Relator: DES. JOÁS DE BRITO PEREIRA FILHO, Data de Julgamento: 30/04/2019, Câmara Especializada Criminal)

A premissa do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina fixou recentemente um entendimento segundo o qual o pedido indenizatório por responsabilidade civil decorrente de serviços médicos baseada em erro de diagnóstico ou de tratamento somente será aceito quando ficar evidentemente comprovado que o profissional da saúde laborou em equívoco.

Ou seja, é necessário demonstrar e comprovar que o profissional da saúde agiu com imperícia, imprudência ou negligência. Caso contrário, não se cogita de responsabilização ou de pagamento de indenizações. Veja-se:

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA OFTALMOLÓGICA. PERDA INTEGRAL DA VISÃO DO OLHO DIREITO E PARCIAL DO OLHO ESQUERDO. RECURSO DO AUTOR. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA DESÍDIA DO PACIENTE. NÃO COMPARECIMENTO AOS EXAMES, CONSULTAS, PROCEDIMENTOS E CIRURGIA AGENDADOS. REMARCAÇÕES SUCESSIVAS. PROCEDIMENTOS ADEQUADAMENTE REALIZADOS. ADOÇÃO DE TODAS AS MEDIDAS NECESSÁRIAS E CABÍVEIS AO CASO. ERRO MÉDICO NÃO CONFIGURADO. ATO ILÍCITO NÃO CARACTERIZADO. NEXO CAUSAL NÃO EVIDENCIADO. PROVA PERICIAL QUE COMPROVOU A INEXISTÊNCIA DE ERRO OU NEGLIGÊNCIA NO PROCEDIMENTO ADOTADO PELO MÉDICO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. “O pedido indenizatório por responsabilidade civil decorrente de serviços médicos baseada em erro de diagnóstico ou de tratamento somente será aceito quando ficar evidentemente comprovado que o profissional da saúde laborou em equívoco, seja por imperícia ou negligência no atendimento; caso contrário, constatado que a intervenção médica, embora ostensivamente presente, não foi suficiente para conter o quadro patológico apresentado, não leva, por si só, à responsabilização.” (AC n. 2011.049775-7, da Capital, rel. Des. Fernando Carioni, j. 30-8-2011). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-SC – AC: 03212126720158240023 Capital 0321212-67.2015.8.24.0023, Relator: Vera Lúcia Ferreira Copetti, Data de Julgamento: 13/12/2018, Quarta Câmara de Direito Público)

A perda de uma chance ao tratamento correto.

Cumpre notar que a mera chance de um tratamento correto consiste em bem jurídico indenizável, o que impõe ao médico responsabilidade no exercício de suas funções. Veja-se:

“DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. APLICABILIDADE DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE PARA A APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL OCASIONADA POR ERRO MÉDICO.

A teoria da perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil ocasionada por erro médico na hipótese em que o erro tenha reduzido possibilidades concretas e reais de cura de paciente que venha a falecer em razão da doença tratada de maneira inadequada pelo médico. De início, pode-se argumentar ser impossível a aplicação da teoria da perda de uma chance na seara médica, tendo em vista a suposta ausência de nexo causal entre a conduta (o erro do médico) e o dano (lesão gerada pela perda da vida), uma vez que o prejuízo causado pelo óbito da paciente teve como causa direta e imediata a própria doença, e não o erro médico. Assim, alega-se que a referida teoria estaria em confronto claro com a regra insculpida no art. 403 do CC, que veda a indenização de danos indiretamente gerados pela conduta do réu. Deve-se notar, contudo, que a responsabilidade civil pela perda da chance não atua, nem mesmo na seara médica, no campo da mitigação do nexo causal. A perda da chance, em verdade, consubstancia uma modalidade autônoma de indenização, passível de ser invocada nas hipóteses em que não se puder apurar a responsabilidade direta do agente pelo dano final. Nessas situações, o agente não responde pelo resultado para o qual sua conduta pode ter contribuído, mas apenas pela chance de que ele privou a paciente. A chance em si – desde que seja concreta, real, com alto grau de probabilidade de obter um benefício ou de evitar um prejuízo – é considerada um bem autônomo e perfeitamente reparável. De tal modo, é direto o nexo causal entre a conduta (o erro médico) e o dano (lesão gerada pela perda de bem jurídico autônomo: a chance). Inexistindo, portanto, afronta à regra inserida no art. 403 do CC, mostra-se aplicável a teoria da perda de uma chance aos casos em que o erro médico tenha reduzido chances concretas e reais que poderiam ter sido postas à disposição da paciente” [10] (STJ – EDcl no REsp 594.962/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/12/2007, DJe 08/08/2008)

Recomendações Gerais.

De uma forma geral, do ponto de vista jurídico, o ideal é que o profissional da medicina adote a postura mais cautelosa possível com relações aos seus pacientes em estado de emergência. Isto significa que, nos casos de dúvida sobre o tratamento, ou quando o paciente reclama de algum desconforto, a postura mais segura a ser adotada pelo médico consiste na realização de exames complementares do diagnóstico.

Isto porque a falta destes exames, no futuro, pode acabar sendo interpretada como negligência médica, gerando incansáveis incômodos ao médico, do ponto de vista profissional, pessoal, psicológico e jurídico.

Nos dias atuais, agir com cautela é um dever dos profissionais da medicina, e desrespeitar este dever é se expor a riscos desnecessários, os quais, em alguns casos, convertem-se em prejuízos altíssimos.

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