A empresa decidiu cancelar o plano de saúde. Neste momento, todos os beneficiários da assistência médica, inclusive os demitidos e aposentados, se questionam: meu plano será mantido?
O tema deste artigo consiste em analisar se há direito de manutenção do plano de saúde por parte do beneficiário aposentado ou demitido com fulcro nas regras contidas nos artigos 30 e 31 da Lei de Planos de Saúde (Lei 9.656/98), mesmo após a rescisão do plano de saúde operada entre a empresa e a operadora.
Inicialmente, é imperioso esclarecer que estas categorias de pessoas (os demitidos sem justa causa e os aposentados) fazem jus à manutenção do plano de saúde por um período específico, mesmo após a demissão ou aposentadoria.
Veja-se o que dispõem os artigos 30 e 31 da Lei 9.656/98:
Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.
§1o O período de manutenção da condição de beneficiário a que se refere o caput será de um terço do tempo de permanência nos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, ou sucessores, com um mínimo assegurado de seis meses e um máximo de vinte e quatro meses.
§2oA manutenção de que trata este artigo é extensiva, obrigatoriamente, a todo o grupo familiar inscrito quando da vigência do contrato de trabalho.
§3oEm caso de morte do titular, o direito de permanência é assegurado aos dependentes cobertos pelo plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, nos termos do disposto neste artigo.
§4oO direito assegurado neste artigo não exclui vantagens obtidas pelos empregados decorrentes de negociações coletivas de trabalho.
§5o A condição prevista no caput deste artigo deixará de existir quando da admissão do consumidor titular em novo emprego.
§6o Nos planos coletivos custeados integralmente pela empresa, não é considerada contribuição a co-participação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou hospitalar.
Art. 31. Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.
§1o Ao aposentado que contribuir para planos coletivos de assistência à saúde por período inferior ao estabelecido no caput é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, à razão de um ano para cada ano de contribuição, desde que assuma o pagamento integral do mesmo.
§2o Para gozo do direito assegurado neste artigo, observar-se-ão as mesmas condições estabelecidas nos §§ 2o, 3o, 4o, 5o e 6o do art. 30.
§3oPara gozo do direito assegurado neste artigo, observar-se-ão as mesmas condições estabelecidas nos §§ 2o e 4o do art. 30.
Pois bem. As hipóteses tratadas nestes artigos dizem respeito a situação do empregado que é demitido ou aposentado. Diferente, pois, da situação em que a própria empresa cancela o contrato com o plano de saúde, atingindo toda uma coletividade vinculada ao ente empresarial.
Nesta circunstância, em que há verdadeiro cancelamento do contrato por parte da empresa, não existe direito de manutenção para o beneficiário demitido ou aposentado, em regra.
Esta compreensão foi ratificada perante o STJ. Veja-se:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SAÚDE SUPLEMENTAR. EXCLUSÃO DE BENEFICIÁRIOS DE PLANO DE SAÚDE COLETIVO. REGRAMENTO ESPECÍFICO. CANCELAMENTO DO CONTRATO PELO EMPREGADOR. MANUTENÇÃO DO EX-EMPREGADO NO MESMO PLANO DE SAÚDE. IMPOSSIBILIDADE.
- Ação ajuizada em 4/2/16. Recurso especial interposto em 20/6/17. Autos conclusos ao gabinete em 11/1º/18. Julgamento: CPC/15.
- O propósito recursal consiste em dizer se o direito estabelecido nos arts. 30 e 31, da Lei 9.656/98 subsiste após o cancelamento do plano de saúde pelo empregador que concedia este benefício a seus empregados ativos e ex-empregados.
- A exclusão de beneficiário de plano de saúde coletivo, após a cessação do seu vínculo com a pessoa jurídica estipulante, está disciplinada por lei e por resolução da agência reguladora e só pode ocorrer após a comprovação de que foi verdadeiramente assegurado o seu direito de manutenção (arts. 30 e 31, da Lei 9.656/98 e RN 279/11, da ANS).
- Diferente é a hipótese em que a pessoa jurídica estipulante rescinde o contrato com a operadora, afetando não apenas um beneficiário, senão toda a população do plano de saúde coletivo.
- Na espécie, inviável a manutenção do ex-empregado, considerando o cancelamento do plano de saúde coletivo pelo empregador que concedia este benefício a seus empregados ativos e ex-empregados.
- Recurso especial conhecido e não provido.
(REsp 1736898/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 20/09/2019)
É de se ressalvar, entretanto, as situações excepcionais, não tratadas no julgado mas que são indispensáveis à tutela do direito à saúde. Como se sabe, situações excepcionais demandam tratamento igualmente excepcional, não podendo ser franqueadas ao tratamento comum do julgado verberado pela Corte Superior de Justiça.
Neste contexto, a primeira ressalva que deve ser feita é sobre a impossibilidade de rescisão contratual durante o internamento do beneficiário do plano de saúde. Sabe-se que os contratos de planos de saúde não podem ser rescindidos durante o internamento do seu titular. Trata-se de legislação expressa contida na Lei de Planos de Saúde. Veja-se:
Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
[…]
III – a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, em qualquer hipótese, durante a ocorrência de internação do titular. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Logo, havendo rescisão do contrato entre a empresa e o plano de saúde, este não poderá ser rescindido se o beneficiário (empregado, demitido ou aposentado) estiver internado, enquanto perdurar o internamento.
Outra ressalva que deve ser realizada diz respeito ao beneficiário em tratamento médico.
O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 885.463 – DF, estabeleceu que no caso de usuário internado, independentemente do regime de contratação do plano de saúde (coletivo ou individual), dever-se-á aguardar a conclusão do tratamento médico garantidor da sobrevivência e/ou incolumidade física para se pôr fim à avença.
Em outras palavras, é vedada a rescisão unilateral do plano de saúde quando seu titular ou dependentes estiverem internados, em qualquer caso. Logo, também não será possível a rescisão do contrato de plano de saúde durante o tratamento de seu beneficiário, independentemente da vontade da empresa de cancelar o contrato.
O voto vencedor, de lavra do Ministro Luís Felipe Salomão, é muito elucidativo em sua fundamentação. Veja-se:
“[…]A impossibilidade de suspensão ou rescisão do contrato durante a internação do usuário (titular ou dependente) não configura, por sua vez, limitação aplicável somente aos contratos individuais e familiares.
A norma, fundada no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, tem por escopo apenas ressaltar que, ainda quando haja motivo, a rescisão ou a suspensão de plano de saúde não pode resultar em risco à preservação da saúde e da vida do paciente, que se encontra em situação de extrema vulnerabilidade.
Desse modo, no caso de usuário internado, o óbice à rescisão ou suspensão do plano de saúde prevalecerá independentemente do regime de sua contratação (coletivo ou individual), devendo-se aguardar a conclusão do tratamento médico garantidor da sobrevivência e/ou incolumidade física.
Tal exegese coaduna-se, ademais, com o disposto no artigo 35-C da Lei 9.656/98, segundo a qual é obrigatória a cobertura do atendimento nos casos de emergência (como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente) ou de urgência (assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional).[…]”
Dessa forma, durante todo o lapso temporal do tratamento ao qual sujeito o beneficiário, o plano de saúde não poderá rescindir a avença unilateralmente, sob pena de cometimento de flagrante ilegalidade, a ser combatida judicialmente.
Conclusões:
Ante as considerações realizadas no presente artigo, pode-se concluir que em regra, não há direito de manutenção do plano de saúde quando existe o cancelamento do contrato entre a empresa estipulante e o plano. A ausência de direito inclui os beneficiários empregados ativos, aposentados e mesmo demitidos, isto é, toda a coletividade que poderia, em tese, ser beneficiária do plano de saúde.
A situação é excepcionalizada no que atine aos beneficiários que se encontrem em tratamento ou internamento médico. Neste caso, eles farão jus à manutenção do plano de saúde, podendo recorrer ao Poder Judiciário para assegurar tal direito.
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