Análise da decadência no direito tributário.
1. Introdução.
A decadência é forma de extinção do crédito tributário, consoante dispõe o inciso V do art. 156 do Código Tributário Nacional. Trata-se de forma de extinção que atinge o direito subjetivo do sujeito ativo na constituição do crédito tributário.[1]
Em outras palavras, a decadência se relaciona com o limite temporal que dispõe o Fisco para constituir definitivamente o crédito tributário. Tal constituição se dá por meio do lançamento.
Minardi define a decadência como a perda do direito do Fisco de constituir o crédito tributário.[2]
Tal perda decorre do decurso do tempo. Neste sentido, o lei limita o exercício dos poderes estatais de forma a garantir a estabilização das relações jurídico-tributárias.
2. Decadência vs Prescrição
A decadência não se confunde com a prescrição. No âmbito tributário, a prescrição se relaciona ao tempo a disposição do Fisco para que este cobre, em juízo, a dívida tributária.
Neste ínterim, o art. 174 do CTN prevê o prazo de 5 anos, a partir da constituição definitiva do crédito tributário, para a Fazenda ajuizar a execução fiscal voltada a cobrança do crédito tributário, sob pena de prescrição.[3]
A decadência, de sua vez, ocorre necessariamente em momento anterior da cadeia tributária, limitando e inibindo a constituição do crédito tributário, em virtude do decurso do prazo legal para tal.
Com efeito, a decadência é fenômeno que deriva da perda do direito do Fisco de constituir o crédito tributário, por sua mora neste desiderato.
3. A decadência no direito tributário
O direito do Fisco constituir o crédito tributário extingue-se em 5 (cinco) anos, consoante se verifica do art. 150, § 4º, c/c 173, I, do CTN.
Quanto a duração do prazo decadencial, não há dúvidas. A questão ganha complexidade quando se trata de definir o marco inicial ( ou dies a quo) para contagem deste prazo.
Neste sentido, há de se observar que, em regra, o prazo decadencial inicia-se no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, conforme preconiza o art. 173, I, do CTN.
Dessa forma, por exemplo, se devo IPTU relativo ao ano de 2005, o prazo inicial para contagem da decadência terá início em 01.01.2006, de forma que a decadência se consumará apenas em 01.01.2011.[4]
A regra geral aplica-se aos tributos sujeitos a lançamento de ofício e por declaração, bem como às hipóteses em que for comprovado dolo, fraude, simulação ou ausência de pagamento por parte do contribuinte.
No que toca aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, nos quais a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, a regra a ser aplicada encontra-se insculpida no § 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional.
De acordo com tal regra, o prazo decadencial para constituição do crédito tributário inicia-se a partir da ocorrência do fato gerador, momento a partir do qual conta-se o lustro decadencial de 5 (cinco) anos.
Confira-se:
Art. 150 (…) § 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Como exemplo, imagine-se que um sujeito passivo praticou o fato gerador do IPI em 25 de maio de 2005, recolhendo valor insuficiente. Neste caso, o Fisco disporia de 5 anos para constituir o restante do crédito tributário, contados da ocorrência do fato gerador, consumando-se a decadência em 25 de maio de 2010.[5]
4. Decisão que anula, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Nos termos do inciso II do art. 173 do CTN, o prazo decadencial quinquenal para constituição do crédito tributário será contado a partir da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Trata-se de norma teratológica, que beneficia o Fisco, mas que vem sendo observada por tribunais, malgrado sua flagrante inconstitucionalidade, que não será objeto do presente artigo.
Com efeito, uma vez lançado o tributo, e posteriormente se demonstrada a existência de vício formal no lançamento anteriormente efetuado, disporá o Fisco de novo prazo para realização do lançamento.
Os vícios formais, como bem enuncia Paulsen, não se confundem com os vícios materiais. Com efeito, são exemplos de vícios formais a ausência de requisitos essenciais no auto de infração, elencados no art. 10 do Decreto 70.235/72.[6]
O erro material, de sua vez, relaciona-se a erros no que toca a matéria representada pelo lançamento. Erros no que toca a representação do fato que deu ensejo ao lançamento. Exemplo é o que se dá nos erros de metragem da área construída e diferença entre valor venal do imóvel e valor atribuído pelo Município. Confira-se o seguinte julgado ilustrativo da tese sustentada:
“Tratando-se de nulidade do lançamento por erro substancial, já que em processo administrativo o tributo foi constatado erro no que tange a metragem da área construída e diferença entre o valor venal atribuído ao imóvel pela Municipalidade e o valor real do imóvel, não há que se falar em início de novo prazo decadencial para a realização de lançamento especial, já que essa previsão apenas se dá para as hipóteses de anulação por vício formal. “(TJ-SP – APL: 40125271120138260114 SP 4012527-11.2013.8.26.0114, Relator: Cláudio Marques, Data de Julgamento: 06/04/2017, 14ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 10/04/2017)
É de se observar, entretanto, que não raro será tênue a distinção entre vícios de natureza formal e material.
5. Pagamento parcial de tributo sujeito a lançamento por homologação.
Sabe-se que, não havendo pagamento de tributo sujeito a lançamento por homologação, incide a regra inserta no art. 173, I, do CTN.
No entanto, a jurisprudência dirimiu a dúvida existente quando tal pagamento é insuficiente e/ou parcial.
Veja-se o julgado do STJ:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA TRIBUTÁRIA. ALEGATIVA DE EXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS QUE COMPROVAM PAGAMENTO PARCIAL A ATRAIR A INCIDÊNCIA DO ART. 150, § 4º, DO CTN. QUESTÃO JURÍDICA RELEVANTE. ACÓRDÃO RECORRIDO. OMISSÃO. NULIDADE. 1. A respeito da controvérsia ora em debate, o Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão de que a decadência tributária, na hipótese de pagamento parcial do tributo sujeito a lançamento por homologação, tem início com a ocorrência do fato gerador. Precedentes: AgRg no AREsp 706.556/MG, Rel. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Segunda Turma, julgado em 19/4/2016, DJe 27/4/2016; AgRg no AREsp 132.784/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 15/3/2016, DJe 1º/4/2016). (…)(STJ – REsp: 1633154 SP 2016/0022735-3, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 28/11/2017, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/12/2017)
Com efeito, havendo pagamento parcial, o prazo decadencial inicia-se com a ocorrência do fato gerador, nos termos do art. 150, § 4º, do CTN.
6. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário e decadência.
Há de se destacar que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, malgrado impeça sua cobrança, não impede a sua constituição, não sendo influente no prazo decadencial.
Confira-se o seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC EXAME PREJUDICADO ART. 151 DO CTN SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO AÇÃO RESCISÓRIA PENDENTE DE JULGAMENTO CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO PARA EVITAR DECADÊNCIA POSSIBILIDADE PRECEDENTES. 1. Julga-se prejudicado o exame da alegação de ofensa ao art. 535 do CPC, uma vez configurado o prequestionamento da matéria, com o explícito pronunciamento do Tribunal a quo a respeito. 2. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário na via judicial não impossibilita a Fazenda de proceder à regular constituição do crédito tributário para prevenir a decadência do direito de lançar. Precedentes. 3. Recurso especial não provido.(STJ – REsp: 1168226 AL 2009/0222428-2, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 18/05/2010, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/05/2010)
7. Restituição de tributo decaído.
Outra questão digna de nota é a garantia da restituição do tributo pago a maior ou indevidamente, já atingido pela decadência.
Na linha seguida por Sabbag, entendemos ser possível a restituição do tributo indevidamente pago, pois a decadência extingue a relação obrigacional, não mais existindo a dívida.[7]
Confira-se, em termos conclusivos, o seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. CONFISSÃO DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS PARA EFEITO DE PARCELAMENTO APRESENTADA APÓS O PRAZO PREVISTO NO ART. 173, I, DO CTN. OCORRÊNCIA DE DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. (…) 3. A decadência, consoante a letra do art. 156, V, do CTN, é forma de extinção do crédito tributário. Sendo assim, uma vez extinto o direito, não pode ser reavivado por qualquer sistemática de lançamento ou auto-lançamento, seja ela via documento de confissão de dívida, declaração de débitos, parcelamento ou de outra espécie qualquer (DCTF, GIA, DCOMP, GFIP, etc.). 4. No caso concreto o documento de confissão de dívida para ingresso do Parcelamento Especial (Paes – Lei n. 10.684/2003) foi firmado em 22.07.2003, não havendo notícia nos autos de que tenham sido constituídos os créditos tributários em momento anterior. Desse modo, restam decaídos os créditos tributários correspondentes aos fatos geradores ocorridos nos anos de 1997 e anteriores, consoante a aplicação do art. 173, I, do CTN. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008.(STJ – REsp: 1355947 SP 2012/0252270-2, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 12/06/2013, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 21/06/2013)
8. Considerações Finais
Neste artigo foi analisado o instituto da decadência e sua aplicação no direito tributário. Não se tratou de análise exaustiva, mas elucidativa.
É importante o auxílio de um advogado para que se verifique acerca da existência de máculas no lançamento tributário, especialmente aquelas relacionadas à ocorrência pretérita de prescrição e decadência.
[1] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 816.
[2] MINARDI, Josiane. Manual de Direito Tributário. 2ª ed. Rev. Atual e ampl. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 396
[3] Ibidem, p. 401.
[4] Neste mesmo sentido o exemplo da obra de Eduardo Sabbag. Ver, SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 818.
[5] MINARDI, Josiane. Manual de Direito Tributário. 2ª ed. Rev. Atual e ampl. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 400.
[6] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 140.
[7] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 815.