Kadcyla (Trastuzumabe entansina) deve ser custeado por plano de saúde.

O plano de saúde deve obrigatoriamente custear o medicamento Kadcyla.

Segundo o portal da Anvisa, Kadcyla (Trastuzumabe entansina) é um fármaco indicado para o tratamento de câncer de mama do tipo HER2-positivo metastásico ou localmente avançado não ressecável e, com inclusão recente, passou a ser indicado também para o tratamento de câncer de mama inicial, desde que presente também a amplificação ou superexpressão do receptor HER2.

Apesar de sua indicação pela Anvisa, no entanto, o medicamento não se encontra no rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) – a lista de exames, consultas, cirurgias e outros procedimentos que devem obrigatoriamente, independente dos termos do contrato, ser oferecidos pelos planos de saúde, conforme informativo da ANS. A ausência do fármaco na lista, então, justificaria a negativa do tratamento por parte de inúmeras empresas.

A recusa, porém, é abusiva e tende a ser revertida pelos tribunais.

Isto porque o entendimento atual é de que a referida lista, que é atualizada pela Agência a cada dois anos, não acompanha a evolução da técnica médica, de modo que deve ser interpretada como sendo um rol exemplificativo.

Tal entendimento faz prevalecer sobre os regulamentos da ANS a Lei nº 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde) e o Código de Defesa do Consumidor, como exige a boa técnica jurídica.

Segundo o entendimento dos tribunais, uma vez que a doença (no caso, câncer de mama) encontra previsão de cobertura do tratamento no contrato ou nos regulamentos da ANS, não cabe ao plano de saúde indicar qual tratamento será ou não realizado. Assim, basta a indicação médica de qualquer medicamento registrado pela Anvisa[1] para que haja a obrigação de custeio por parte da seguradora. Nas palavras do Ministro do STJ Marco Buzzi:

 

revela-se abusivo o preceito excludente do custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento clínico ou do procedimento cirúrgico demandado.

Logo, a existência de cobertura contratual para a doença apresentada pelo usuário conduz, necessariamente, ao dever de custeio do tratamento proposto pelo médico especialista.[2]

 

 

Outra negativa muito frequente utilizada no que âmbito do fármaco Kadcyla é aquela que salienta que sua utilização não é prescrita para determinadas espécies de cânceres. A negativa, neste caso, recairia sobre a utilização de medicação off label, ou seja, fora das indicações da bula. Conforme entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, o plano de saúde não pode negar a cobertura de tratamento sob a justificativa de não existir previsão na bula para o tratamento da doença do consumidor, pois tal mister incumbe ao profissional de medicina que acompanha o paciente, e não ao plano. Trata-se, portanto, de negativa ilegal.

 

Como aponta a sólida jurisprudência do STJ, não se pode perder de vista que o bem tutelado em matéria de Plano de Saúde é a própria vida dos indivíduos. Por esta razão, se trata de uma atividade regulada, em que a liberdade contratual das partes é bastante mitigada a fim de proteger este bem jurídico de importância central no ordenamento.

Neste sentido, é direito das operadoras de planos de saúde limitar contratualmente as enfermidades a serem cobertas, no entanto, não podem limitar os tratamentos, ainda que se tratem de medicamentos experimentais. Esse é o posicionamento já consolidado do STJ, como ilustra a seguinte ementa:

 

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO EXPERIMENTAL. COBERTURA DE TRATAMENTO DOENÇA. PROCEDIMENTO INCLUÍDO.

  1. As operadoras de planos de saúde podem, por expressa disposição contratual, restringir as enfermidades a serem cobertas, mas não podem limitar os tratamentos a serem realizados, inclusive os medicamentos experimentais. Precedentes.
  2. Inviabilidade de acolher as alegações da parte agravante de existir tratamento convencional eficaz, ao contrário do que pontua o acórdão recorrido, no sentido de que o próprio médico credenciado pelo plano de saúde o determinou, por demandar nova análise de contexto fático-probatório. Incidência da súmula 7/STJ.
  3. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp 1014782/AC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 28/08/2017)

Uma vez que a Corte superior possui já entendimento consensual, a tendência é que todos os demais tribunais do país passem também a decidir no mesmo sentido. Assim, o Tribunal de Justiça da Bahia vem decidindo:

 

Apelação Cível. Ação de Ressarcimento de Danos Morais e Materiais. Plano de saúde. Negativa de cobertura para realização de exame para diagnóstico.  Reembolso. […] Sendo o contrato de plano de saúde firmado com a finalidade de se obter amparo geral de assistência médica a riscos futuros à saúde, sobretudo em situações de necessidade e urgência, é de se reputar como abusiva e, nesse sentido, nula, qualquer cláusula que frustra a sua natureza. Precedentes do STJ. Assim, evidenciada a recusa indevida de cobertura, restou caracterizado o prejuízo moral que, no caso, configura-se in re ipsa, consoante  jurisprudência sedimentada do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.  Quanto ao valor  fixado a este título, com base no conjunto fático probatório e nas circunstâncias do caso concreto, mostra-se razoável, reduzir a indenização a título de dano moral de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para R$ 10.000,00 (dez mil reais).  Mantém-se os ônus sucumbências da forma que foram fixados pelo juízo a quo, com base no enunciado da  Súmula nº 326 do STJ . Apelo Parcialmente Provido.

(Classe: Apelação, Número do Processo: 0505815-26.2018.8.05.0146, Relator: JOSE CICERO LANDIN NETO, Publicado em: 05/08/2020 )

 

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TRANSPLANTE DE CÉLULAS TRONCO. REALIZAÇÃO DE EXAMES E PROCEDIMENTOS POSTERIORES AO TRATAMENTO. NECESSIDADE COMPROVADA ATRAVÉS DE LAUDO MÉDICO. OBRIGAÇÃO DA OPERADORA CUSTEAR INTEGRALMENTE O TRATAMENTO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA LIMINAR. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO DO VALOR A SER EXECUTADO. APLICAÇÃO DOS PRIMADOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. […]

2 – Aos contratos de plano de saúde aplicam-se as regras do CDC, consoante previsto no artigo 35, da Lei n.º 9.656/98, porquanto inseridos no microssistema consumerista, consubstanciado no enunciado da Súmula 469 do STJ, que dispõe: “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. […]

4 – Com efeito, não cabe ao plano de saúde delimitar o tratamento para as doenças objeto da cobertura contratual. Na hipótese vertente, a concessão da medida liminar, posteriormente confirmada na sentença de fls. 232/237, deveria ter sido interpretada de modo a contemplar todo o tratamento médico imprescindível à manutenção da saúde da paciente, notadamente por existir requisições médicas corroborando neste sentido (fls. 208/213). […]

5 – Ressalta-se que as operadoras de Planos de Saúde no momento da contratação prometem segurança e proteção contra riscos futuros, em troca de pagamentos mensais contínuos e ininterruptos. Neste contexto, a acionada já deveria ter assumido voluntariamente todas as despesas necessárias à recuperação da paciente, sobretudo quando se paga um elevado valor com as mensalidades durante longo período (desde 1996), com a justa expectativa de ser bem amparada na ocasião em que precisar. Quando o titular ou um dos beneficiários da avença ficam doentes, a fragilidade humana se faz presente. Portanto, qualquer obstáculo sem justa causa, criado neste momento, não pode permanecer sem uma severa reprimenda.

6 – A boa-fé objetiva cria deveres positivos, exigindo que os contratantes façam tudo para que o contrato seja cumprido de conformidade com o previsto. In casu, as obrigações pactuadas devem ser interpretadas de maneira mais favorável à recorrente, por se tratar de parte hipossuficiente na relação, nos termos do artigo 47 do CDC, in verbis: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.[…]

(Classe: Apelação,Número do Processo: 0035646-93.2012.8.05.0080,Relator(a): MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO,Publicado em: 08/07/2020 )

 

Assim, é possível, face a uma negativa arbitrária do plano de saúde de cobrir um tratamento específico, como o tratamento com Kadcyla, obter em poucos dias uma decisão liminar que obrigue a operadora a garantir o tratamento pleiteado, ou, em sendo o caso, a reembolsar o beneficiário do plano pelos gastos que deveriam ter sido cobertos desde o princípio.

Na Bahia, por exemplo, já fora concedida medida liminar, nos seguintes termos:

Ante o exposto, DEFIRO a tutela de urgência para determinar a acionada
que
FORNEÇA O MEDICAMENTO TRASTUZUMABE (KADCYLA, 288MG), para o tratamento endovenoso a cada 3 semanas, nos termos do relatório médico anexo.(Processo nº 0006981-15.2020.8.05.0039. Decisão proferida em 09.08.2020)

Para tanto, basta que seja comprovado o atendimento dos requisitos estabelecidos pelos tribunais em interpretação do CDC e Lei dos Planos de Saúde, qual seja, requisição e relatório médico e confirmação da negativa do tratamento com Kadcyla – que, como dito, já foi devidamente registrada pela ANVISA.

É importante o acompanhamento por um escritório de advocacia especializado nesta solicitação, para que sejam evitados prejuízos irreversíveis.

Restou alguma dúvida? Você pode retirá-la mandando para ribeiro@diasribeiroadvocacia.com.br ou encontrar mais informações de contato clicando aqui.

[1] O registro pela ANVISA é também um requisito para que a cobertura seja obrigatória, nos termos da tese 990 do STJ: “As operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela Anvisa”.

[2] STJ, REsp 1775530. Min. Marco Buzzi. Data do Julgamento 28/11/2018. Data de Publicação 04/12/2018

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