Liminar assegura o direito de beneficiário de plano de saúde ao exame diagnóstico via Foundation One.
Em outubro de 2020 o Tribunal de Justiça de Santa Catarina proferiu decisão liminar no bojo do processo nº 5016653-53.2020.8.24.0064, patrocinado por este escritório, em que determinou ao plano de saúde dos servidores públicos de Santa Catarina que custeasse o exame diagnóstico por meio do equipamento Foundation One, na forma da requisição médica.
Em sua decisão, o juiz destacou a importância do direito à saúde bem como o fato de o rol de procedimentos obrigatórios elaborado pela ANS ser exemplificativo.
Assim, demonstrada a necessidade do procedimento diagnóstico por meio de requisição médica circunstanciada e a urgência do procedimento pelo risco de danos irreparáveis, foi deferida a tutela de urgência determinando ao plano de saúde que garantisse a realização do procedimento no prazo de 20 (vinte) dias sob pena de pagamento de multa a ser arbitrada.
O que é o exame Foundation One.
Segundo o sítio eletrônico da empresa Fleury:
Foundation One® é um teste abrangente de perfil genômico que identifica com alta precisão alterações genômicas em genes associados com diferentes tumores sólidos, para guiar decisões terapêuticas.
Dessa forma, Foundation One é um equipamento que realiza teste de perfil gnômico abrangente de tumores. É amplamente recomendado para pacientes que não respondem adequadamente ao tratamento mais comum na cura de algum tipo de câncer ou que estão em estado metastático sem que seja possível identificar a origem do problema.
Isto porque, identificando com mais precisão as características genômicas do tumor, o tratamento pode ser o mais adequado possível.
De acordo com o site do Grupo Roche, ao qual pertence a Foundation Medicine:
A Foundation Medicine utiliza uma combinação precisa de obtenção e leitura do DNA do tumor com algoritmos sofisticados de bioinformática para fornecer o perfil genômico abrangente para cada paciente. Utilizando esse perfil genético, a equipe de pesquisa clínica da Foundation Medicine seleciona a literatura mais atual sobre o câncer no mundo para combinar o perfil genético de cada paciente com a opção de tratamento ou um estudo clínico disponível.[1]
Por produzir um relatório mais aprofundado que os exames “tradicionais”, o diagnóstico feito por meio deste exame auxilia a tomada de decisão do médico, que terá maiores informações no momento de eleger a terapia a ser ministrada a cada paciente.
Leia sobre a obrigatoriedade do aconselhamento genético, clicando aqui.
Da necessidade de cobertura de exames diagnósticos pelos planos de saúde
De acordo com a Lei dos Planos de Saúde, todos os planos que englobam tratamento ambulatorial estão obrigados ao custeio dos serviços de apoio diagnóstico solicitados pelos médicos assistentes. É o que se observa no art. 12 daquela lei:
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: […]
Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:
I – quando incluir atendimento ambulatorial:[…]
b) cobertura de serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente;
A análise adequada destes dispositivos leva à conclusão de que, sempre que houver suspeita de alguma doença prevista no CID-10 (cadastro internacional de doenças da OMS) e não expressamente excluída da cobertura pelo contrato, o exame diagnóstico requerido pelo médico assistente deve ser assegurado pelo plano de saúde, sendo irrelevante se se trata de plano público ou privado.
A postura dos planos do saúde diante do exame Foundation One.
A despeito dos argumentos alhures expostos, muitos planos de saúde negam exames mais caros e complexos como o Foundation One ao argumento de que não estão previstos no rol de cobertura mínima elaborado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Esta posição, no entanto, é incompatível com os princípios do direito do consumidor, com a boa-fé e com a própria natureza jurídica aleatória dos contratos de planos de saúde.
De fato, a ANS produz e atualiza a cada dois anos uma lista de procedimentos que devem, indubitavelmente, ser assegurados pelos planos de saúde.
Contudo, uma vez que os beneficiários arquem com suas obrigações, qual seja, o pagamento pontual das mensalidades, não pode o plano esquivar-se de sua parte no contrato deixando-os desassistidos em momento de necessidade, sob pena de desnaturar o próprio contrato e violar o direito à saúde.
É a partir deste raciocínio que o STJ, guiando a jurisprudência de todo o país, entende que o rol de procedimentos da ANS é exemplificativo e não limita a obrigação dos planos de saúde, independente de sua forma de gestão. Neste sentido:
[…]
- Nos termos da jurisprudência pacífica desta Turma, o rol de procedimentos mínimos da ANS é meramente exemplificativo, não obstando a que o médico assistente prescreva, fundamentadamente, procedimento ali não previsto, desde que seja necessário ao tratamento de doença coberta pelo plano de saúde. Aplicação do princípio da função social do contrato. […]
- Aplicação do entendimento descrito no item 2, supra, às entidades de autogestão, uma vez que estas, embora não sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor, não escapam ao dever de atender à função social do contrato.[…]
- Reafirmação da jurisprudência desta TURMA no sentido do caráter exemplificativo do referido rol de procedimentos.
- AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
(AgInt no REsp 1829583/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/06/2020, DJe 26/06/2020)
Ainda segundo esta corte superior, as empresas operadoras podem até excluir determinadas doenças da cobertura dos planos, mas não devem restringir a possibilidade de tratamento e diagnóstico daquelas que são acobertadas. Nas palavras da Ministra Maria Isabel Galotti:
o contrato de plano de saúde pode limitar as doenças a serem cobertas não lhe sendo permitido, ao contrário, delimitar os procedimentos, exames e técnicas necessárias ao tratamento da enfermidade constante da cobertura
(STJ, AgInt no AREsp n. 622.630/PE, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 18/12/2017)
Neste sentido, o único requisito para que o plano esteja obrigado ao custeio do exame diagnóstico é o relatório médico circunstanciado que demonstre a necessidade, através de parâmetro científicos, daquele procedimento.
Não cabe à empresa operadora de planos de saúde com base em critérios meramente econômicos limitar a atuação médica e, por consequência, vulnerar a saúde de seus beneficiários. Tal ingerência na atuação médica se mostra abusiva e é rechaçada pelo ordenamento jurídico, podendo gerar, inclusive, danos morais indenizáveis.
Este escritório de advocacia já escreveu sobre exames genéticos, notadamente sobre exames de sequenciamento de genes.
Conclusão
Pelo exposto, verifica-se que a conduta do plano de saúde que nega ao beneficiário o acesso a um exame diagnóstico que se mostra necessário para o sucesso de seu tratamento e pronto restabelecimento de sua saúde é abusiva.
Portanto, caracterizada a abusividade, é possível buscar junto ao poder judiciário a reversão desta decisão e, através de tutela liminar, como se deu no processo inicialmente mencionado, impor ao plano que custeie o exame necessário buscando, inclusive, eventual indenização por danos morais.
Neste mesmo sentido se posiciona o escritórios de advocacia de Vilhena e Silva.
[1] Disponível em https://www.roche.com.br/pt/por-dentro-da-roche/cancer-de-origem-desconhecida-conheca-mais.html