A trombofilia e o custeio do Clexane pelo plano de saúde

Da obrigatoriedade de cobertura do Clexane durante a gestação pelo plano de saúde.

Clexane é um medicamento indicado para o tratamento de diversas patologias, como trombose venosa, angina e infarto agudo do miocárdio. Dentre suas possíveis utilizações, consta também a possibilidade de utilização do Clexane para o tratamento de trombofilia que, em mulheres grávidas, pode levar a complicações como aborto, eclâmpsia e deslocamento precoce da placenta, com riscos para a mãe a para o bebê.

Assim, é relativamente comum a prescrição do Clexane pelos médicos quando diagnosticada a trombofilia, especialmente quando as gestantes já possuem histórico de trombose (muitas vezes associada ao uso de anticoncepcionais orais) ou de abortamentos espontâneos.

Contudo, não raro os planos de saúde negam a referida cobertura por alegar que o mencionado tratamento não consta no rol de procedimentos sujeitos à cobertura obrigatória ou que seria de uso domiciliar – o que não se verifica na prática, vez que se trata de medicamento de aplicação subcutânea que demanda, por isso, atuação de profissional habilitado.

A postura das operadoras de planos de saúde se baseia em uma interpretação inadequada e já rechaçada pelos tribunais superiores do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, elaborado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e por isso configura conduta abusiva.

Enquanto os planos de saúde insistem que não devem cobrir nenhum tratamento ou procedimento que não esteja especificado no Rol, a jurisprudência indica que a lista é, em verdade, exemplificativa e que a cobertura dos planos de saúde se limita tão somente pelas doenças asseguradas (aquelas listadas na Classificação Internacional de Doenças – CID da OMS) e não pelos tratamentos. Assim, uma vez que a doença esteja acobertada pela apólice, não cabe ao plano de saúde interferir na escolha da terapia a ser desenvolvida pelo médico, sendo a única limitação neste sentido, além da justificada indicação médica, a obrigatoriedade de registro das drogas pela ANVISA.

Isso se dá pela interpretação do art. 10 da Lei dos Planos de Saúde aliada à principiologia do Direito do Consumidor, segundo à qual não podem ser estabelecidas cláusulas no contrato de consumo que onerem excessivamente o consumidor ou que contrariem a própria natureza do contrato (no caso, que, em sede de contrato securitário, deixem o consumidor desguarnecido quanto aos riscos à saúde que visava assegurar).

O STJ já se posicionou neste sentido inúmeras vezes, como ilustra a seguinte ementa:

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DE TRATAMENTO PRESCRITO. IMPOSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. CABIMENTO. DECISÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ.

  1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de ser abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento prescrito para garantir a saúde ou a vida do segurado, porque o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional habilitado na busca da cura.
  2. Ademais, o STJ possui jurisprudência no sentido de que a recusa indevida à cobertura pleiteada pelo segurado é causa de danos morais in re ipsa, pois agrava a sua situação de aflição psicológica e de angústia no espírito.
  3. Considerando que o acórdão hostilizado encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Casa, inarredável a incidência da Súmula 83/STJ, aplicável ao recursos especiais interpostos pelas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.
  4. Agravo Interno não provido.

(STJ, AgInt no AREsp 1573618 / GO. Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140), julgado em 22/06/2020, DJe 30/06/20200)

 

Neste sentido, entende-se que o tratamento da trombofilia em mulheres grávidas está enquadrado no Plano-Referência posto pela Lei dos Planos de Saúde, de modo que não cabe à operadora limitar as possibilidades de tratamento do segurado:

 

Art. 10.  É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:

 

         

O posicionamento do Poder Judiciário.

Assim, o judiciário já decidiu inúmeras vezes, inclusive em sede de liminar, pelo direito das mulheres grávidas de verem este tratamento custeado pelos Planos de Saúde em nome da segurança sua e de seu futuro filho. Vejamos:

 

PLANO DE SAÚDE – TUTELA PROVISÓRIA – INDEFERIMENTO – AÇÃO VISANDO FORNECIMENTO DA MEDICAÇÃO “CLEXANE” PELA OPERADORA – Paciente portadora de trombofilia com histórico de abortamentos espontâneos – Risco de dano grave e iminente consistente em nova interrupção da gravidez por falta do medicamento – “Periculum in mora” e urgência na obtenção do provimento antecipatório suficientemente demonstrados – Probabilidade do direito da autora em receber o tratamento por moléstia de cobertura obrigatória – Discussão acerca da exclusão contratual para medicação de uso domiciliar afeta ao mérito – Reversibilidade da medida (art. 300, § 2º do CPC) – Presença dos requisitos autorizadores à concessão da tutela provisória (art. 300 do CPC) – Demora na prestação jurisdicional capaz de comprometer a saúde e a gravidez da paciente – Recurso provido.

(TJ-SP, 6ª Câmara de Direito Privado. AI 2208524-12.2016.8.26.0000. Relator Percival Nogueira. Julgado em 13/02/2017, DJe 13/02/2017)

 

Também o tribunal baiano, como não podia ser diferente, esposa o mesmo entendimento:

 

APELAÇAO CÍVEL – PLANO DE SAÚDE – MEDICAMENTOS NECESSÁRIOS PARA TRATAMENTO DE TROMBOFILIA  CLEXANE  ALEGAÇÃO DE NEGATIVA POR SER MEDICAMENTO DE USO DOMICILIAR  ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL  NORMAS DA ANS QUE NÃO PODEM SUPLANTAR PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS QUE ASSEGURAM O DIREITO À VIDA, À SAÚDE E À DIGNIDADE DA PESSOA  PROVA DOS AUTOS QUE DEMONSTRA NECESSIDADE DE CONHECIMENTO ESPECÍFICO PARA APLICAÇÃO NA FORMA SUBCUTÂNEA  DANOS MORAIS  NÃO CONFIGURAÇÃO – ESPECIFICIDADES DO CASO TRATADO – AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE OS FATOS RELATADOS TENHAM ULTRAPASSADO O MERO ABORRECIMENTO  APELO PROVIDO EM PARTE

  1. A prova dos autos demonstra que a apelada, então gestante, possuía quadro de Trombofilia que exigia a aplicação do medicamento CLEXANE como forma de manter a vida da segurada e do feto.
  2. Conforme termos da jurisprudência do STJ: “É abusiva a cláusula contratual que determina a exclusão do fornecimento de medicamentos pela operadora do plano de saúde tão somente pelo fato de serem ministrado em ambiente ambulatorial ou domiciliar.” (AgRg no AREsp 292.901/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 04/04/2013)
  3. Documentos juntados pela própria recorrente que identificam a necessidade de intervenção direta de profissional de saúde habilitado, na medida em que sua administração é subcutânea conforme informações prestadas pela própria recorrente, o que afasta a alegação de uso domiciliar.
  4. Diante de contrato de adesão com cláusulas abusivas e normas técnicas emitidas pela ANS em contraposição e em confronto com princípios fundamentais constitucionais que asseguram o direito à vida, à saúde e a dignidade da pessoa, devem estes últimos prevalecer.
  5. Apelo provido tão somente para afastar a condenação em danos morais, não configurados no caso em tela, por não ter a parte autora demonstrado que os fatos relatados nos autos tenham lhe causado outras atribulações que ultrapassassem o mero aborrecimento.
  6. Em vista do princípio da causalidade, fica mantido o ônus sucumbencial no que se refere ao pagamento das custas processuais com fixação dos honorários advocatícios, em vista da exclusão dos danos morais, do valor da causa e por equidade, no importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais) com base no art. 85, §2º e 8º, do CPC.

(TJ-BA. Apelação 0513437-34.2016.8.05.0080. Relator: MAURÍCIO KERTZMAN SZPORER. Publicado em: 14/02/2019 )

 

Nesse sentido, fica claro o direito das mulheres de verem seu direito à saúde assegurado em um momento tão importante e delicado quanto a gestação.

Assim, em caso de qualquer problema, não hesite em procurar um advogado especializado com toda a documentação que indique a recomendação médica e a negativa do plano de saúde.

Restou alguma dúvida? Você pode retirá-la mandando para ribeiro@diasribeiroadvocacia.com.br ou encontrar mais informações de contato clicando aqui.

 

Artigo escrito por Letícia Pinheiro Soares e revisto e publicado por Adelmo Dias Ribeiro.

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