Recentemente, tive contato com um caso de uma gestante que apresentava um quadro de hipertensão gestacional com recomendação de cesárea em hospital munido de UTI materna e fetal (neonatal).
Cerca de 1 (uma) semana antes do parto, entretanto, o plano de saúde (com cobertura obstétrica) indeferiu o custeio do procedimento no hospital credenciado que dispunha de UTI.
É importante salientar que a prática do plano de saúde foi flagrantemente abusiva, e existem diversos precedentes na justiça que obrigam o plano de saúde a garantir o custeio do parto em unidade que disponha de UTI materna e fetal, se esta for a vontade médica.
A propósito, confira-se a seguinte decisão liminar proferida no âmbito dos Juizados Especiais da Bahia:
“Relata a parte autora, que se encontra com 38 semanas de gestação contendo hipertensão gestacional, por este motivo deverá ser submetida a atendimento durante o parto em maternidade com preparo para UTI Neonatal/fetal. Ocorre que, os únicos hospitais que contém maternidade com tal preparo são os Hospitais Aliança e Português. Todavia, o seu plano, Central Nacional Unimed tem convênio com os dois hospitais habilitados. Sendo assim, a autora procurou o Hospital Português para realização da marcação do seu parto. Porém, foi surpreendida uma semana antes do parto com a negativa do plano para o procedimento no Hospital Português.
Observando os autos, à luz das informações acima, concluo que se encontram conjugados os elementos autorizadores da concessão da medida requerida liminarmente, em razão da verossimilhança dos argumentos constantes na inicial e pelo demonstrado risco de ocorrência de grave lesão, caso tenha o autor que aguardar o provimento final da demanda.
Com esteio no art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, defiro o pedido formulado liminarmente, para compelir que a acionada autorize e arque com o parto da autora no Hospital Português, onde possui a UTI Neonatal/Fetal, no prazo de 24 horas.
Comino multa diária no valor de R$ 150,00 (cem reais), para a hipótese de desobediência a esta ordem judicial.
Intimem-se as partes.
(…)
MICHELLINE SOARES BITTENCOURT TRINDADE LUZ
Juiz de Direito” (Processo nº 0045985-13.2019.8.05.0001, em trâmite na 4ª Vara do Sistema de Juizados de Defesa do Consumidor da Comarca de Salvador/Bahia)
A obrigatoriedade de cobertura nas complicações gestacionais ( UTI neonatal e materna).
Neste contexto, é de se ter em mente que a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98) é expressa ao garantir cobertura obrigatória nas hipóteses de complicações no processo gestacional. Veja-se:
I – de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente; (Redação dada pela Lei nº 11.935, de 2009)
Além disso, sabe-se que o plano de saúde não pode imiscuir-se na atividade do médico e, uma vez constatado por este profissional a necessidade do leito de UTI, ao plano de saúde cabe obedecer o mandamento, sob pena de vulneração da finalidade básica do contrato de plano de saúde, que é a preservação da saúde e da vida de seu beneficiário.
Outrossim, os planos de saúde submetem-se ao Código de Defesa do Consumidor, tornando-se nulas aquelas cláusulas que não tenham sido transmitidas de forma clara, expressa e transparente ao contratante/consumidor.
Veja-se:
“Por não ter a Acionada demonstrado que prestou ao consumidor, no momento da contratação, informações claras e precisas sobre o procedimento/hospital que estaria excluído da cobertura, deve-se concluir que houve ferimento ao princípio da informação, sendo iníqua a cláusula que exclui a cobertura, por não ter propiciado à consumidora prévio conhecimento sobre a limitação de cobertura.
Segundo o art. 6º, III, do CDC, o consumidor tem o direito a informações claras sobre o serviço que está contratando, o que de fato não restou evidenciado nestes autos, até pela própria natureza da forma de pactuação, o contrato de adesão. Segundo a dicção do art. 54, da Lei nº. 8.078/90, o contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. Como dito anteriormente, para que o fornecedor de serviços possa impor as limitações contratuais, é necessário o prévio conhecimento destas cláusulas pelo consumidor, o que, de fato, não se desincumbiu a demandada de demonstrar nestes autos.
Não pode a Acionada, desta forma, alegar que o procedimento/hospital pretendido pela parte autora não tem cobertura contratual, em razão da nulidade da cláusula limitadora, na medida em que coloca o consumidor em desvantagem excessiva e por estar em desacordo com os princípios que regem as relações de consumo, notadamente o princípio da boa-fé objetiva e o princípio da informação, nos termos do art. 41, IV, XV, § 1º, I, II, e III, do CDC. (“Processo nº 0045985-13.2019.8.05.0001, em trâmite na 4ª Vara do Sistema de Juizados de Defesa do Consumidor da Comarca de Salvador/Bahia).
Oras, nesse contexto, é de se concluir que os planos de saúde são obrigados por lei ao custeio do parto com os mecanismos de assistência médica mais adequados à preservação da saúde da beneficiária e do feto. Dessarte, é nula a cláusula que limita o acesso da gestante a hospital com oferta de UTI neonatal e para a mãe, pois tal cláusula vulnera a finalidade básica do contrato de asssistência médica.
Neste sentido se posiciona a jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO OBRIGAÇÃO DE FAZER PLANO DE SAÚDE TRANSFERÊNCIA PARA INTERNAMENTO EM UTI NEONATAL – TRATAMENTO MAIS ADEQUADO AO ESTADO FÍSICO DO PACIENTE PRESCRIÇÃO MÉDICA PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES PARA O DEFERIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA – RECUSA INJUSTIFICADA DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE. 1 – A prescrição médica não enfrentada na seara técnica evidencia satisfatoriamente a necessidade do paciente, até porque cabe ao médico e só a ele – identificar a doença e encontrar o melhor meio para um tratamento eficaz. Por conseguinte, reconhecida a moléstia que acomete o cidadão, a gravidade que dela resulta e a negativa de fornecimento do tratamento adequado emprestam juridicidade à decisão atacada. 2 – Os documentos que instruem a petição inicial da ação de origem, em especial os relatórios médicos, demonstram que a parte Agravada necessita ser transferida, em caráter de urgência, para uma UTI neonatal. 3 – Apreciadas as provas colacionadas e formado seu convencimento, só o flagrante destoar entre aquilo que consta dos autos e o quanto decidido ensejaria a reforma da decisão em sede de agravo. Constatada a correção e juridicidade da atuação judicial de primeiro grau, há de se lhe atribuir subsistência. 4 – Mostra-se adequado o valor da multa diária, principalmente em razão do caráter coercitivo indispensável para cumprimento da ordem judicial, ressaltando-se que, em sendo cumprida a decisão, restará prejudicada a penalidade. AGRAVO IMPROVIDO. (Classe: Agravo de Instrumento,Número do Processo: 0011600-81.2015.8.05.0000, Relator (a): Maria do Socorro Barreto Santiago, Terceira Câmara Cível, Publicado em: 02/12/2015 )(TJ-BA – AI: 00116008120158050000, Relator: Maria do Socorro Barreto Santiago, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 02/12/2015)
Logo, havendo negativa do plano de saúde no custeio do parto em hospital que dispunha de UTI, recomenda-se o rápido contato com um advogado especialista em saúde para resolução da questão. Em caso de dúvidas, falem conosco clicando aqui.