A implantação de bombas de insulina, equipamento que substitui as injeções diárias em portadores de diabetes tipo 1, bem como seus insumos devem ser assegurados pelos planos de saúde. Isto porque, por força do art. 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), os planos de saúde são obrigados a manter cobertura mínima para as doenças listadas pela OMS, nos seguintes termos:
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: […]
A interpretação adequada deste dispositivo, balizada pelos princípios da boa-fé e pela própria natureza dos contratos securitários (como o é o contrato de plano de saúde), resulta na impossibilidade de as operadoras de planos de saúde limitarem a atuação do médico assistente impondo quais tratamentos serão ou não acobertados.
Uma vez que a doença não tenha sido expressamente excluída do contrato, qualquer forma de limitação ao tipo de terapia ou procedimento diagnóstico será considerada abusiva e não poderá produzir qualquer efeito.
Neste sentido, nem mesmo o argumento de que o tratamento não se encontra no rol de procedimentos obrigatórios da ANS será suficiente para justificar a negativa do tratamento. Em respeito à autoridade do médico, único profissional habilitado a indicar o tratamento mais adequado para cada paciente, se entende que aquela lista é, em verdade, exemplificativa – a obrigação dos planos de saúde não está limitada a seus termos.
Estando o medicamento registrado na ANVISA, não há qualquer limitação para sua prescrição pelos médicos brasileiros, não cabendo às operadoras de planos de saúde ou à ANS limitar o acesso dos pacientes a estes fármacos.
Vejamos como se posicionam os tribunais:
Súmula 102, TJ-SP: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. HOME CARE. RECUSA INDEVIDA.CLÁUSULA CONTRATUAL. SÚMULA N. 5 DO STJ. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7 DO STJ. VALOR DA INDENIZAÇÃO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. VERIFICAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. […]
- O contrato de plano de saúde pode limitar as doenças a serem cobertas não lhe sendo permitido, ao contrário, delimitar os procedimentos, exames e técnicas necessárias ao tratamento da enfermidade constante da cobertura" (AgInt no AREsp n. 622.630/PE, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 18/12/2017).
- Havendo negativa de cobertura do plano de saúde para home care;, devidamente prescrito por médico, fica configurada abusividade. Além disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece o direito ao recebimento de indenização por danos morais oriundos da injusta recusa de cobertura, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do usuário, já abalado e com a saúde debilitada; (AgInt no AREsp n. 1.450.651/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/9/2019, DJe 18/9/2019). […]
(STJ, AgInt no AREsp 1607797 / SP. Relator Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA (1146), julgado em 10/08/2020, DJe 14/08/2020)
Neste sentido, uma vez que haja prescrição médica para a utilização de bomba de insulina em substituição às injeções diárias, seja pela maior efetividade desta ou para mitigar efeitos colaterais das injeções, o plano de saúde fica obrigado a custear a bomba e seus insumos básicos (cateter, reservatório, insulina e tiras).
Os tribunais já se manifestaram especificamente sobre esta situação defendendo esta exata posição. Vejamos:
No processo nº 8001081-32.2020.8.05.0000, o Tribunal de Justiça da Bahia concedeu e ratificou decisão liminar determinando o custeio, em 48h, da bomba infusora de insulina. Em seu voto, o relator Des. José Luiz Pessoa Cardoso afirmou:
a indicação do tratamento em questão foi reconhecida por médicos especialistas que acompanham a recorrida, não tendo o plano de saúde o poder de interferir na recomendação médica, que certamente pondera aspectos outros para indicar o tratamento mais adequado ao paciente, não se tratando de uma análise objetiva e isenta.
Tratando dos planos de saúde operados pelo Estado em benefício de servidores públicos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também já se posicionou desta forma, deferindo tutela de urgência em sede liminar:
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PÚBLICA. DIREITO À SAÚDE. BENEFICIÁRIO DO PLANO IPE-SAÚDE. DIABETES MELLITUS TIPO 1. FORNECIMENTO DE SENSOR FREESTYLE LIBRE. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS CONFIGURADOS. 1. A assistência à saúde é direito de todos garantido constitucionalmente, devendo o IPERGS custear os medicamentos e tratamentos aos necessitados. Inteligência do art. 194, caput, da CF/88. 2. Não deve ser tolhido o direito da parte autora de ter custeado pelo IPE-SAÚDE os aparelhos necessários ao tratamento médico completo que necessita, porquanto a Lei Complementar Estadual nº 12.134/2004 e a Resolução nº 21/79 preveem que serão cobertos pelo IPE-SAÚDE os “atos necessários ao tratamento”. 3. Em conformidade com o comando do artigo 2º da LC nº 12.134/04, restou definido que integram o plano de saúde atendimentos médicos, hospitalares, atos necessários ao diagnóstico e ao tratamento da enfermidade, bem como ações com vistas à prevenção da doença e promoção da saúde. 4. Hipótese em que restou comprovado nos autos a verossimilhança do direito alegado e a urgência da tutela pretendida. RECURSO PROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.
(TJ-RS, Agravo de Instrumento, Nº 70079887451, Primeira Câmara Cível, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em: 12-12-2018)
Também o tribunal do Rio de Janeiro já se manifestou, destacando a ocorrência de dano moral a ser indenizado:
CONSUMIDOR – PLANO DE SAÚDE – BOMBA DE INFUSÃO DE INSULINA – NEGATIVA DE COBERTURA – DANO MORAL. Consumidora, portadora de diabetes mellitus tipo 1. Plano de Saúde. Recusa em fornecer bomba de infusão de insulina e insumos, necessários ao controle da doença. Negativa fundada na ausência de previsão no rol da ANS, bem como no contrato. Rol meramente exemplificativo. Doença cujo tratamento não é excluído do contrato, e deve seguir a indicação do médico assistente. Dano moral caracterizado. Procedência do pedido. Sentença confirmada.
(TJ-RJ – APL: 00203697720188190002, Relator Des. Ricardo Couto de Castro, julgado em 07/07/2020, 7ª Câmara Cível, DJ-e 09/07/2020)
Ou seja, os tribunais de todo o país tendem a seguir o posicionamento majoritário do STJ no sentido de que a negativa de tratamento de plano de saúde baseada na ausência do tratamento no Rol da ANS é abusiva, pois o rol é exemplificativo e os planos podem limitar as doenças cobertas, mas não os tratamentos.
Neste sentido, diante da negativa do plano de saúde, é possível, com a assistência de um advogado especialista, buscar o poder judiciário para reverter a situação, obrigando o plano ao custeio da bomba e seus insumos e ainda eventual indenização pelos danos morais.
As bombas de infusão de insulina no tratamento da diabetes
A diabetes tipo 1 é uma doença crônica que afeta a produção de insulina pelo pâncreas resultando em uma desregulação dos índices glicêmicos em seus portadores. Seu tratamento consiste na compensação dessa falta pela injeção de insulina de forma artificial. Portadores dessa doença podem chegar a aplicar 20 injeções por dia, fora as perfurações, ainda que superficiais, necessárias à medição do nível de açúcar no sangue.
Para além do desconforto gerado pelas inúmeras perfurações, que podem acarretar perda da sensibilidade e/ou hematomas nos locais onde se dá a injeção, há casos em que este método tradicional simplesmente não é suficiente.
Neste contexto, pode ser recomendada a utilização de uma bomba infusora de insulina em substituição às injeções diárias. A bomba é um equipamento acoplado ao corpo por meio de um catéter que injeta insulina automaticamente, de acordo com as doses prescritas pelo médico endocrinologista adaptadas à ingestão de carboidratos (açúcar) informada pelo paciente.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes[1], a agulha do cateter deve ser substituída a cada dois ou três dias – numa frequência bem menor do que as injeções diárias, portanto. Também são pontos positivos do tratamento a maior flexibilidade de horário das refeições e a redução do risco de hipoglicemias e complicações de longo prazo – ou seja, uma maior qualidade de vida.
No Brasil, estão disponíveis as bombas produzidas pela Medtronic e pela Roche, que custam entre R$ 13.000,00 e R$ 20.000,00. Além disso, os insumos e manutenção podem representar um custo de até R$ 3.000,00 mensais.
Fonte da imagem: Santo Remédio. Disponível em: https://drogariasantoremedio.com.br/qual-relacao-insulina-diabetes/. Acesso em 01 out 2020.
Preciso utilizar bomba de infusão de insulina e meu plano negou: O que fazer?
Se você tem diagnóstico de diabetes e o seu médico prescreveu a utilização de bomba de infusão de insulina, mas o plano de saúde indeferiu a cobertura, saiba que esta negativa pode ser abusiva.
Nesses casos, recomenda-se o ajuizamento de uma ação judicial para que se busque a tutela ao seu direito à saúde, por meio do tratamento adequado (bomba de infusão de insulina e insumos). Por intermédio de um pedido de tutela de urgência, rapidamente é possível obter o tratamento perquerido.
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O Dias Ribeiro Advocacia é um escritório de advocacia especializado em ações contra planos de saúde. Nos aperfeiçoamos diariamente para prestar o melhor serviço jurídico na tutela do direito à saúde de milhares de beneficiários de plano de saúde.
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Artigo escrito por Letícia Pinheiro Soares e revisado e publicado por Luciana Afonso Silva Azevedo
[1] Disponível em: https://www.diabetes.org.br/publico/ultimas/474-bombas-de-infusao-de-insulina#:~:text=A%20bomba%20de%20infus%C3%A3o%20de,cada%20dois%20ou%20tr%C3%AAs%20dias.