A aposentadoria dos portadores do vírus HIV (e portadores da AIDS).

Tema que desperta dúvidas com frequência consiste no direito a aposentadoria por invalidez dos portadores do vírus HIV.

A aposentadoria por invalidez é o benefício previdenciário devido ao segurado que for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo-lhe paga enquanto permanecer nesta condição (art. 42 da Lei 8.213/91).

Para fazer jus à aposentadoria por invalidez, o segurado deve demonstrar sua total e permanente incapacidade para o trabalho, sendo este o ponto distintivo do auxílio-doença.

Inicialmente, é oportuno destacar que existem muitas pessoas que, embora apresentem o vírus HIV, não desenvolveram a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Dessa forma, cabe uma distinção inicial entre o vírus e a síndrome, conceitos amplamente distintos.

Neste contexto, os tribunais vem decidindo que a pessoa ser portadora do vírus HIV, por si só, não é elemento suficiente para a concessão de aposentadoria por invalidez. Isto porque, como se disse alhures, é possível que um portador do vírus HIV seja assintomático, plenamente válido e capaz para o trabalho.

Com efeito, a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região entendeu por bem negar o direito ao benefício de aposentadoria por invalidez a portador do vírus HIV que não havia manifestado a doença. Veja-se:

Ao considerar apta ao trabalho uma portadora do vírus HIV que não havia manifestado a doença, a Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou o pedido de aposentadoria por invalidez de uma segurada do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em sede de embargos infringentes.

O relator do caso, desembargador federal Paulo Sérgio Domingues, afirmou que, “apesar de ser portadora do vírus HIV desde o ano de 2009, a embargante não se encontra acometida da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – SIDA, doença crônica que se manifesta como decorrência da infecção pelo vírus HIV, pois vem fazendo tratamento contínuo com o uso de antirretrovirais desde janeiro de 2010”.

O desembargador ainda explicou que a Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez: qualidade de segurado, cumprimento da carência de 12 contribuições mensais – quando exigida –, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade que lhe garanta a subsistência.

Segundo o laudo pericial, a segurada não apresenta incapacidade, tendo em vista que não manifesta os sintomas da doença, possui sistema imunológico competente e apresenta uma carga viral baixa (menor que 50) (Fonte)

Por outro lado, não se desconhece todo o estigma pessoal e profissional que os portadores do vírus HIV apresentam, existindo julgados em que, mesmo constatada a capacidade do segurado para o trabalho em laudo pericial, há o reconhecimento do direito a aposentadoria por invalidez, como bem decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PORTADORA DE HIV.
1. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do CPC, podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos.
2. Hipótese em que, consideradas as condições pessoais da segurada, associadas ao estigma social da doença e à dificuldade de inserção no mercado de trabalho, é devida a concessão de aposentadoria por invalidez.
(TRF4, AC 5028672-61.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 18/10/2018)

No julgado, o magistrado relator considerou aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado portador do HIV devem ser considerados para concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, e não apenas e tão-somente a incapacidade laboral.

Neste sentido, o magistrado referiu o Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz (AC nº 2000.71.005.005038-6/RS, j. em 30-04-2003), no sentido de que:

(…) o portador do vírus HIV “trabalha se quiser”. A ciência tem feito progressos significativos no tratamento da doença. O programa brasileiro de prevenção e combate à AIDS é exemplo admirado no mundo todo. Um portador do vírus HIV já não padece, hoje em dia, dos mesmos sofrimentos de que era vítima na década de 80. O doente ganhou uma possibilidade de sobrevida inimaginável há bem pouco tempo. Nada disso, porém, serve para afastar um dado inquestionável: o portador da moléstia convive com a possibilidade da morte (Albert Camus dizia que o único problema filosófico importante é a morte!).

Todos sabemos que vamos morrer um dia. Essa ideia, no entanto, não nos atormenta cotidianamente. É de forma abstrata, por assim dizer, que enfrentamos essa inevitabilidade da condição humana. Com o doente de AIDS isso não ocorre. Apesar do avanço nas técnicas de tratamento (e mesmo da possibilidade de estabilidade da doença), a AIDS traz consigo a marca tenebrosa da “doença incurável”. Há aqueles que reagem bem à doença, e à ociosidade preferem uma ocupação produtiva, talvez como forma terapêutica, o gosto pelo trabalho psicológico, desinteressando-se, em vista disso, não apenas das ocupações laborativas, como também das outras atividades normais da vida cotidiana. É ao doente, portanto, que se deve conceder a liberdade de escolha. Se o trabalho lhe faz bem, se ele o ajuda a enfrentar com maior eficácia os traumas gerados pela doença, deve-se-lhe conceder o direito de trabalhar. Se, ao contrário, o portador julga melhor abandonar de vez a atividade produtiva, ainda que tenha capacidade física para o trabalho, não se lhe pode censurar o direito de escolha. Nós ainda cultivamos nesse campo uma espécie de preconceito envergonhado. As relações de um portador do vírus HIV, salvo raríssimas exceções, não serão as mesmas no seu ambiente de trabalho. Submeter um doente de AIDS à volta forçada ao trabalho seria cometer contra ele uma violência injustificável. (…)

No mesmo sentido do julgado supra, a TNU editou o enunciado sumular 78, no sentido de que, comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença.

Confira-se, ademais, o seguinte julgado do STJ:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.ART. 20, § 2º DA LEI 8.742/93. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU DE TÊ-LO PROVIDO PELA FAMÍLIA. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A CAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE BASEADO APENAS NAS ATIVIDADES ROTINEIRAS DO SER HUMANO. IMPROPRIEDADE DO ÓBICE À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.

I – A pessoa portadora do vírus HIV, que necessita de cuidados freqüentes de médico e psicólogo e que se encontra incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover o seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família – tem direito à percepção do benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, ainda que haja laudo médico-pericial atestando a capacidade para a vida independente.

II – O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo – o que não parece ser o intuito do legislador.

III – Recurso desprovido. (REsp 360.202/AL, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 04/06/2002, DJ 01/07/2002, p. 377)

A título de adendo, cumpre notar que as pessoas portadoras do vírus HIV também apresentam direito ao benefício de prestação continuada (BPC – LOAS).

Dessa forma, conclui-se que é assegurado o direito à aposentadoria por invalidez aos portadores do vírus HIV. Tal direito, entretanto, não é automático, dependendo da verificação da incapacidade, em sentido amplo, do segurado. Uma vez constatada a incapacidade, mediante análise plurifatorial (de inserção no mercado de trabalho e estigma social), será devido ao segurado o pagamento do benefício.

 

 

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