Interesse de agir – Breve Delimitação

Da introdução

Poder Judiciário é ultima ratio. É a última medida para a solução dos conflitos que permeiam a sociedade. Posta esta premissa, este artigo buscará traçar, de forma objetiva e concisa, em linguagem simples e acessível, a conceituação do interesse de agir, considerando a sua normatização no CPC 73′ e seu tratamento na nova legislação processual.

Interesse de agir, visão geral e perspectivas

O interesse de agir foi elencado como uma das condições da ação no CPC 73’, e sua normatização foi estabelecida no Art. 267, VI do referido Codex.

Cumpre salientar inicialmente que, no que diz respeito à terminologia, questiona-se em doutrina a expressão “interesse de agir”. Nelson Nery Junior, v. G., quando trata em sua obra sobre o tema, discorda da nomenclatura interesse de agir e adota o mais preciso interesse processual. Aduz o mencionado autor que “Agir pode ter significado processual e extraprocessual, ao passo que ‘interesse processual’ significa, univocamente, entidade que tem eficácia endoprocessual”. Discorda, desta forma, do nomen iuris interesse de agir. Este trabalho usará tanto a terminologia clássica, isto é, interesse de agir, como a atual e mais tecnicamente precisa, interesse processual. A diferença, em que pese tecnicamente notável, não constitui, ao nosso ver, motivo suficiente para o abandono da expressão clássica “interesse de agir”, tão bem conhecida e doutrinariamente estudada.

Passadas as premissas iniciais, destaca NERY que

“existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático”[1]

De pronto se extrai, do conceito apontado pelo autor, que o interesse processual se desdobra em duas dimensões, isto é, o interesse-necessidade, na medida em que, para ter interesse, a parte necessita recorrer ao poder judiciário, sendo este o último e residual remédio para satisfazer a sua pretensão, e o interesse-utilidade, isto é, a utilidade do processo como tal para atingir a finalidade pretendida pela parte que o maneja.

Isto colocado, aduz o renomado jurista:

“Verifica-se o interesse processual quando o direito tiver sido ameaçado ou efetivamente violado (v. G., pelo inadimplemento da prestação e resistência do réu à pretensão do autor). De outra parte, se o autor mover a ação errada ou utilizar-se do procedimento incorreto, o provimento jurisdicional não lhe será útil, razão pela qual a inadequação procedimental acarreta a inexistência de interesse processual”[2]

Desta forma, a falta de interesse processual restaria cristalinamente evidenciada nos casos de ausência de requerimento administrativo pela parte, quando possível fazê-lo. Se trata, como é cediço, de hipótese de falta do interesse-necessidade. Cândido Dinamarco, em recorte do tema, traz um exemplo muito elucidativo:

“No julgamento do RE n. 631.240, em 27.08.2014, o STF entendeu que é necessário o prévio requerimento administrativo antes de o segurado recorrer à justiça para a concessão de benefício previdenciário. Sem esse prévio requerimento, faltaria interesse de agir. Se o requerimento administrativo for negado, total ou parcialmente, bem como quando não for apreciado pelo INSS no prazo de quarenta e cinco dias, poderá o segurado propor a ação perante o Judiciário.”[3]

Sob outra perspectiva ao tema, Humberto Theodoro Júnior, citando Alfredo Buzaid:

“O interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual ‘se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais”[4]

Aduz o mencionado autor que uma tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade. Tal necessidade se encontra naquela situação “que nos leva a procurar uma solução judicial, sob pena de, se não fizermos, vermo-nos na contingência de não podermos ter satisfeita uma pretensão (o direito de que nos afirmamos titulares) ” [5].

Nesta senda, vale afirmar que o processo não pode jamais ser utilizado como consulta acadêmica, estando neste contexto a necessidade do interesse de agir, ou melhor, o interesse-necessidade. Apenas o dano ou o perigo de dano jurídico, representado pela efetiva existência de uma lide, autoriza a utilização do direito de ação. Esta perspectiva do interesse de agir, somada à perspectiva da utilidade, estabelecem uma visão geral do interesse de agir, objeto deste artigo. Concluindo, aponta Theodoro “ O interesse processual, a um só tempo, haverá de traduzir-se numa relação de necessidade e também numa relação de adequação do provimento postulado, diante do conflito de direito material trazido à solução judicial”[6]

Passadas as conceituações de Nelson Nery e Theodoro Jr, salutar também é o tratamento doutrinário dado ao tema pelo eminente jurista Luiz Fux, Ministro do Supremo Tribunal Federal:

“Ao manifestar seu interesse, o sujeito de direito pode ver-se obstado por outrem que não reconhece a sua posição jurídica. Em face da impossibilidade de submissão do interesse substancial alheio ao próprio por via da violência, faz-se mister a intervenção judicial para que se reconheça, com a força da autoridade, qual dos dois interesses deve sucumbir e qual deles deve sobrepor-se.

A negação de submissão de um interesse ao outro corresponde um tipo de interesse que é o de obter a prestação da tutela jurisdicional, com o fim de fazer prevalecer a aspiração própria sobre a de outrem, cabendo ao Judiciário definir qual delas é a que se sobrepõe.

A situação jurídica que reclama a intervenção judicial, sob pena de um dos sujeitos sofrer um prejuízo em razão da impossibilidade de autodefesa é que caracteriza o interesse de agir. É que, como já se afirmou em bela sede doutrinária, a ‘função jurisdicional não pode ser movimentada sem que haja um motivo’[7]

O Interesse de agir e a nova legislação processual de 2015

Nos dizeres de Fredie Didier, o interesse de agir é requisito processual que deve ser examinado em duas dimensões, respectivamente, a necessidade e a utilidade da tutela jurisdicional. Corresponde, neste caminho, a requisito processual extrínseco positivo, tratando-se de fato cuja existência é necessária para que a instauração do processo se dê validamente. Faltando interesse de agir, aduz o renomado autor, o pedido não será examinado.

O diferente tratamento é sem sombra de dúvidas inovador, e acompanha a legislação presente no Novo Código Processual Civil, no qual Didier é considerado um dos principais mentores. O mencionado jurista não mais encaixa o interesse de agir na clássica tipificação das condições da ação, tratando-o agora como requisito processual de validade, dentro da categoria lata dos ‘pressupostos processuais’.

O interesse processual é tratado no Novo Codex nos arts. 18-20 e 330, entre outros esparsos dispositivos.

Interesse substancial e interesse processual, uma distinção necessária

Diferem-se as noções de interesse de agir substancial e interesse de agir processual. Tullio Liebman, de forma astuta, procede a esta análise, ora transcrita, in verbis:

“O interesse processual se distingue do interesse substancial de, para cuja proteção se intenta a ação, da mesma maneira como se distinguem os dois direitos correspondentes: o substancial que se afirma pertencer ao autor e o processual que se exerce para a tutela do primeiro. Interesse de agir é, por isso, um interesse processual, secundário e instrumental com relação ao interesse substancial primário; tem por objeto o provimento que se pede ao juiz como meio para obter a satisfação do interesse primário lesado pelo comportamento da parte contrária, ou, mais genericamente, pela situação de fato objetivamente existente. ”[8]

Se pode concluir, com relevada acurácia, que o interesse de agir processual é instrumental, subsidiário, utilizado a fim de garantir o interesse de agir substancial, sendo este aquele contido na pretensão. Existem, desta forma, duas dimensões: uma primária, existente na medida em que a parte manifesta interesse “por algo” (este algo sendo a pretensão), e a dimensão secundária, ou instrumental, na qual a parte demonstra ser o processo o meio necessário e útil para atingir a sua pretensão, sendo esta última o interesse processual.

Interesse Processual – Conclusão

Longe de querer estabelecer uma análise exaustiva do tema, este artigo buscou estabelecer uma conceituação branda da noção do interesse de agir. Estabeleceu-se a análise deste requisito processual com base no binômio necessidade-adequação, bem como foi feita uma breve ponderação deste tema de acordo com a nova legislação processual. Por fim, foi realizada a distinção entre o interesse processual e o interesse substancial, distinção importante e necessária.

Nesta senda, interesse de agir, ao nosso sentir, é o requisito processual que comprova, uma vez delimitado nos autos, a necessidade e a adequação do processo para o atingimento da tutela pretendida. Na prática jurídica, este interesse geralmente é comprovado por meio da juntada aos autos dos requerimentos administrativos, documentos constitutivos de fatos que indicam o processo como ultima ratio.

Referências

[1] Junior, Nelson Nery e Nery, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 526

[2] Junior, Nelson Nery e Nery, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 526

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil, p. 397-398

[4] THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil.52 ed. P.76-77

[5] Arruda Alvim, op. Cit, I, p.318

[6] THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil.52 ed. P.76-77

[7] FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Editora Forense. 2008 p. 177

[8] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, 2 ed. Ed. Forense. Rio de Janeiro: 1986, p. 154-155.

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